Um ex-autarca fez-se passar pelo chefe de gabinete do ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, por Isaltino Morais, presidente da Câmara de Oeiras, e outros políticos para enganar pequenos e médios empresários a quem oferecia contrapartidas a troco de supostos apoios nas eleições locais que se avizinham.
António Ferreira Rasteiro que, em 2009, chegou à presidência da Junta de Freguesia de Pereira, concelho de Montemor-o-Velho, às costas de uma coligação PSD/CDS, tinha tudo para representar bem o papel. Armado de uma dupla combinação, político de província e empresário têxtil falido, usava a linguagem certa para chegar a uma classe de empresários sedenta para fugir aos danos da crise e que já conhecia as regras destes meandros.
O esquema montado por Rasteiro era ardiloso. Selecionava as vítimas através das plataformas digitais de informação governamental onde aparecem os nomes das empresas que mantêm contratos com o Estado e com as autarquias.
Mas o maior dom de Rasteiro era o seu paleio, para o que concorria o cadastro. Segundo processos-crime em que anteriormente foi investigado começou por desviar dinheiros da junta a que presidia, até se colar à pele de burlão e falsificador de documentos. Recentemente, colocara os crimes menores de lado e demonstrara um apreciável conhecimento das manobras de diversão do meio criminal. Para driblar as autoridades, nunca usava um telemóvel por muito tempo, recorrendo a descartáveis, e os empresários burlados nunca chegaram a conhecer-lhe o rosto. O logro desenrolava-se sempre à distância, por telemóvel.
Rasteiro pensara alto e bem: o dinheiro da tão desejada ‘bazuca europeia’, que iria rodar entre o Ministério da Economia e o das Infraestruturas e Habitação, foi o isco que o fez usar inicialmente o nome de Pedro Nuno Santos para angariar a primeira clientela. E com o PS já a cantar de galo antes da vitória das autárquicas, as câmaras socialistas, do Norte ao Sul do país, eram as recomendadas aos empresários. A promessa, neste pantanoso mundo, era aparentemente inócua: o dinheiro ia chegar a rodos às autarquias, se ajudassem o partido no momento difícil; futuramente, seriam devidamente recompensados.
Com os arroubos de eloquência nascida da mistura explosiva de ex-autarca acusado de peculato e burlão, e dizendo agir em nome do ministro que esperava a chegada rápida dos cabedais do fundo de recuperação europeu para lançar grandes investimentos nas autarquias, Rasteiro levava aos píncaros a moral dos empresários que se prestavam a fazer chegar, em envelopes, dinheiro aos autarcas designados.
A realidade deste tipo de moscambilha era tão evidente que nenhuma das vítimas estranhou o esquema que Rasteiro propôs: a entrega do suposto financiamento partidário, que ia dos seis mil euros aos 25 mil euros, teria de ser enviada para hotéis das zonas dos candidatos às autárquicas a apoiar, em envelopes endereçados aos próprios, que posteriormente seriam recolhidos por empresas de transporte urgente.
Estafeta recebia a mercadoria e foi constituído arguido
Rasteiro mantinha-se no anonimato até ao fecho do ciclo. Quem recebia a mercadoria era um estafeta que ignorava os esquemas, mas que acabaria por ser também constituído arguido.
Tudo corria de maré, até que um dos empresários, que deixara de receber retorno quer das chamadas quer de uma adjudicação prometida, decide apresentar queixa na PJ de Aveiro. Sob escuta, as conversas e os passos do burlão são vigiados ao segundo. No antepenúltimo sábado de agosto passado, Rasteiro estaciona o carro nas traseiras do Terminal da Rodoviária de Coimbra. Acabara de receber 10 mil euros com a mesma proveniência do estafeta do costume. A PJ de Aveiro acompanhava a transação e detém-no em flagrante.
No primeiro interrogatório judicial, Rasteiro passa a representar outro papel, o de vítima: afinal ele fora apanhado numa tramoia, junta outros ao barulho e dá o nome de um alegado mandante, uma alta figura e, claro, proclama-se inocente. Quem já não ouviu falar de cabalas!
Em declarações ao Nascer do SOL, Rasteiro – que não ficou detido, tendo apenas de se apresentar diariamente na GNR – recorda o dia em que foi detido, com muito aparato, e diz-se vítima de um conluio político: «Veja a sotôra, eu sou doente crónico do coração, tinha ido à farmácia comprar medicamentos e, de repente, cinco carros da PJ cercam-me o carro, até me abalroam! E saltam 16 inspetores, atiram-me um telemóvel para dentro do carro para me comprometerem e ainda queriam que eu dissesse que o telemóvel era meu! Fui tramado, tramado, como se diz na gíria. Vamos lá ver o que é que vai acontecer ao mandante disto tudo. Se calhar nem acreditam em mim!».
Será difícil. Há rasteiras e rasteiras…