Torres Gémeas, um ícone americano

Desenhadas por um nipo-americano que sabia o que era a discriminação, esta ‘Xanadu moderna’ tornou-se um símbolo americano, no bem e no mal.  

Quando o arquiteto Minoru Yamasaki , então com 50 anos, ganhou a encomenda para desenhar as Torres Gémeas do World Trade Center, os seus primeiros arranha-céus, sabia que era um projeto que marcaria a sua carreira. Talvez soubesse que o projeto, monumental mas clássico e delicado, se tornaria um marco do estilo a que chamaram Novo Formalismo, uma declaração de guerra contra o Brutalismo e a maré de prédios envidraçados que inundava Nova Iorque. Nos seus sonhos mais loucos, Yamasaki talvez visse o World Trade Center tornar-se um ícone inconfundível da cidade, símbolo do poder do capitalismo americano e do que seria a  globalização. Mas nunca poderia imaginar que, após 11 de setembro de 2001, a imagem dos seus arranha-céus a cair ficaria gravada na mente da humanidade, o início de uma guerra que dura há vinte anos, o momento em que começou um século.

Muito antes de virar tragédia, o World Trade Center, foi pensado como uma «Xanadu moderna construída para prazer e delícia, uma declaração de independência da monotonia feita à máquina de tanta arquitetura moderna», declarou Yamasaki, em tom eloquente, numa entrevista que foi capa da Time, em 1962, acerca do seu novo projeto.

Por outras palavras, a 1 World Trade Center, que seria conhecida como torre norte,  e a 2 World Trade Center, ou torre sul, eventualmente seriam os mais altos edifícios do planeta, por algum tempo, com cerca de 415 metros de altura e uns incríveis 110 andares. Na prática, eram gigantes recheados de escritórios, negócios e sedes de empresas internacionais, o ponto de encontro entre o mundo e a economia e finança americana.

Quem subiu ao topo das torres, em Lower Manhattan, para ver a sua vista maravilhosa sobre a cidade e o rio Hudson, não esqueceu. Durante anos, multilplicaram-se os testemunhos retroespetivos sobre o World Trade Center enquanto pináculo da hubris americana, descrevendo a sensação de enormidade que ficava com os visitantes, a ideia de que algo assim era demasiado grande para cair – seria exatamente esse o motivo da sua queda.

 

Um longo empreendimento

O ano de Minoru Yamasaki foi 1962, mas a ideia de um World Trade Center já vinha desde 1946, no entusiasmo após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos se descobriam enquanto grande potência e começavam a olhar para longe, para a União Soviética, compreendendo que teriam de afirmar globalmente o seu modelo económico. O diretor do Chase Bank, Winthrop Aldrich, cunhado de um Rockefeller, fora encarregue pelo congresso estadual de nova-iorque de verificar se o projeto era possível – com umas décadas de atraso, foi parar às mãos de Yamasaki.

A própria escolha de Yamasaki, um arquiteto em ascensão, para desenhar um World Trade Center dizia muito da maneira como a América se via – ou queria ver – a si mesma.

Filho de imigrantes japoneses, nascido em 1912, no meio da miséria da ‘JapanTown’ de Seattle, Yamasaki passava os verões a trabalhar numa fábrica de conservas, manobrando uma ‘Iron Chink’ – uma máquina alcunhada com o nome perjorativo dado a chineses, cuja mão de obra barata servia para substituir – para juntar dinheiro para os seus estudos universitários.

Depois disso, ainda teve de enfrentar o horror de procurar emprego em plena Grande Depressão, no meio de xenofobia generalizada. Com o ataque a Pearl Harbour, e a entrada dos EUA em guerra com o Japão, em 1941, tudo piorou. O resultado foram campos de detenção em massa para sino-americanos, pelo simples crime da sua origem, afetando mais de 120 mil pessoas, que se tornaram suspeitos de ser agentes estrangeiros de um momento para o outro – Yamasaki, receoso pelos seus pais e irmão, escondeu-os no seu apartamento, lembrou a Bloomberg.

Fazia tudo parte de uma história de superação da adversidade, mas também de negar as fraturas raciais no tecido social americano. «Há pouca amargura entre os nipo-americanos», fez questão de salientar Yamasaki, na sua entrevista à Times, logo após mencionar que a sua mãe fora levada às lágrimas por uma senhora caucasiana se recusar sentar-se ao seu lado no autocarro. «Uma palavra que ouvi uma e outra vez sempre que havia um incidente ou desagravo era ‘shikataganai’, que significa ‘não dá para evitar». 

Minoru Yamasaki morreu em 1986. Questionado sobre o colapso das torres, o filho, o fotógrafo Taro Yamasaki, recordou o choque com que respondeu aos primeiros telefonemas dos jornalistas no 11 de Setembro – o choque que abalou os alicerces da civilização. «Não estou a pensar nos edifícios, estou a pensar nas quase 3 mil pessoas que acabaram de ser mortas. Claro que fiquei triste pelo edifício, mas 3 mil pessoas. Comecei a pensar ‘e se fosse eu um daqueles 3 mil?’».