Há consenso entre os especialistas para avançar para a última etapa do desconfinamento, anunciada pelo Governo em julho para quando o país atingisse a meta de 85% de vacinação, mas algumas arestas do plano poderão ser ainda limadas. A reunião do Infarmed desta quinta-feira deverá assim ser a última dos próximos tempos, numa altura em que a epidemia está com uma trajetória descendente e indicadores abaixo dos limiares de preocupação, da ocupação de cuidados intensivos à taxa de positividade, abaixo dos 4%, mesmo com o país a testar menos do que em maio, quando começou a desconfinar. Há também a esta altura mais doentes internados do que há um ano, mas a tendência nos últimos dias tem sido decrescente. Na reunião, que ontem o Presidente da República fez saber que espera que aconteça “sem drama e com serenidade”, estão previstas até mais apresentações do que nas anteriores, das variantes à vacinação. A equipa liderada pela epidemiologista Raquel Duarte, que tem feito as bases para os planos de desconfinamento apresentados pelo Governo, vai apresentar uma atualização das recomendações feitas em julho e que levaram o Governo a fixar três fases de desconfinamento para quando o país atingisse mais de 50%, mais de 70% e mais de 85% de população com vacinação completa, o que deverá ser alcançado nas próximas duas semanas. O Governo já indicou que só nessa altura levantará restrições e o gabinete da ministra de Estado e da Presidência, que agendou a reunião para esta quinta-feira, esclareceu ao i esta semana que a janela temporal para rever as atuais medidas mantém-se: quando a meta for alcançada, o que está previsto acontecer mais próximo do fim do mês.
O que muda e o que está em cima da mesa Na altura, quando ainda não estava decidido vacinar adolescentes e a meta de vacinar 85% da população dependia disso (só os adultos tornavam o objetivo impossível) ficou decidido que alcançado esse patamar poderia iniciar-se a última etapa do desconfinamento no país, acabando o fim das restrições de lotação em restaurantes, cafés e pastelarias, estabelecimentos e equipamentos coo estádios e eventos.
Embora os peritos ouvidos pelo Governo não tenham recomendado a abertura de discotecas, apenas de bares com as mesmas regras da restauração – o que o Governo estendeu aos estabelecimentos noturnos durante o verão desde que sem circulação no interior e lugares sentados – o plano apresentado por António Costa em julho deixou o pré-anúncio: chegando a 85%, abririam bares e discotecas com atividade normal e mediante apresentação de certificado digital covid. A mesma regra que foi exigida no interior de restaurantes ao fim de semana, alojamento local ou aulas de grupos em ginásios.
Ao que o i apurou, a continuidade do uso de certificados digitais poderá ser aliviada, mesmo que não totalmente, mas o avanço da etapa final de desconfinamento tem luz verde dos peritos. Em Inglaterra, a intenção de os certificados covid passarem a ser obrigatórios em discotecas foi abandonada e cá é um dos pontos que tem estado a ser analisado.
Entre os especialistas ouvidos pelo i, se há consenso para avançar com o alívio de restrições, o fim dos certificados digitais não é unânime. Manuel Carmo Gomes, epidemiologista e membro da comissão técnica de vacinação, que no início da pandemia participava nas reuniões do Infarmed, admite mesmo que nesta altura não abriria as discotecas, mas compreende que possa ser essa a decisão do Governo. E, nesse caso, recomenda que se mantenha o uso de certificado, como uma garantia adicional de proteção: “Estamos tão vacinados que não é uma medida discriminatória, penso que os portugueses a veriam com bons olhos. Não digo que não absolutamente, mas se o fizerem por razões económicas e porque o setor foi muito prejudicado, é recomendável que se mantenha o certificado de vacinação e penso que os próprios clientes ficariam satisfeitos com isso”, diz.
“Estamos com uma cobertura vacinal muito elevada mas esta variante delta já mostrou que não basta ter uma cobertura muito elevada, é necessário manter um mínimo de proteções a nível individual, nomeadamente máscaras em espaços fechados, o evitar de espaços que sejam espaços particularmente propícios ao contágio. Espaços como discotecas são sítios propícios ao contágio na medida em que as pessoas falam aos gritos, estão umas em cima das outras e são sítios em geral mal arejados”, justifica, defendendo que se deve manter uma abordagem prudente no regresso ao que se espera ser, definitivamente, a normalidade, priorizando manter atividades como o ensino presencial. Em relação aos restaurantes, considera que se pode diferenciar espaços, mantendo a apresentação de certificados naqueles em que o risco possa ser maior. “Há restaurantes ventilados que oferecem alguma segurança. Para aqueles acerca das quais há dúvidas, ou porque a ventilação não é boa ou porque normalmente têm uma densidade de clientes elevada pediria o certificado. Na dúvida deve pedir-se porque é uma segurança para todos”.
Já Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, considera que, com 85% da população vacinada, esta medida poderia cair agora, mesmo nas discotecas. “Com 85% da população vacinada e tendo 11% da população portuguesa menos de 12 anos, estamos praticamente no limite da vacinação. O risco de entrar alguém não vacinado é baixo, seria pouco eficaz”, defende, propondo em alternativa medidas como a medição de temperatura à porta. Defendendo que há condições para avançar para a etapa final do desconfinamento, o médico considera no entanto que em espaços que podem propiciar mais o contágio, como o discotecas ou aulas de grupos em ginásio, não deve haver já um regresso a lotações de 100%.
A continuação do uso de máscaras em espaços fechados e incentivos à ventilação de espaços interiores são pontos cruciais. Manuel Carmo Gomes admite que, a médio prazo, com a população vacinada, o normal será ter contacto com o vírus, o que ajudará a reforçar a imunidade natural. Mas alerta para o risco de o fazer abruptamente: “Sou da opinião, como muitas pessoas hoje, de que vamos acabar por nos encontrar todos com este vírus mais tarde mais cedo, mas é bom que isso aconteça com as pessoas com vacinação completa e não muito de repente, com milhares e milhares de pessoas infetadas ao mesmo tempo. Sendo o risco hoje mais baixo e sabendo que a proteção das vacinas contra doença grave de mantém mesmo com esta variante delta, não é de 100% e se há infeções em milhares de pessoas a percentagem pequenina que pode ser hospitalizada acaba por ser um número grande, portanto convém que aconteça gradualmente”.