Macacos me mordam!

Valha-nos o sobressalto cívico do primeiro-ministro reagindo ao que considera ser insinuações malévolas quanto à ‘bazuca’, ou ao programa de recuperação, ou ao perigo dos corruptos singrarem.

Talvez fosse, mesmo, o momento. Um governo em marcha lenta, um contentamento descontente, um cansaço.
As mesmas ideias de sempre e a discussão larvar sobre o futuro do PS, com a esquerda de dentro a tentar eternizar a relação conjugal com a de fora.

Aquela convicção profunda de que, juntando os trapinhos, a vida continuará a sorrir e os empregos se repartirão.

A inquietude dos herdeiros políticos do Dr. Soares que não conseguem engolir este destino menor.

A frustração dos privados que se sentem arredados da mesa onde serão servidos os dinheiros comunitários.

A classe média a quem os impostos indiretos têm comido, quase sem dor, os rendimentos e sobre quem os diretos se abatem sem piedade.

Tanta, tanta coisa que poderia servir de fermento.

E, claro, a oportunidade das eleições autárquicas e do agitar as águas.

Nem assim.

A uma oposição cúmplice soma-se uma oposição incapaz.

É o país das maravilhas para os passeios do poder.

No fundo, no fundo, as grandes áreas urbanas comandam a vida.

E, mesmo quando, no campo dos princípios, todos pareceriam estar de acordo, cava-se o fosso mais fundo.

Se alguma coisa valesse o restante território, aquelas ideias que de onde a onde nos assaltam e levam a propor uma alteração politicamente significativa fariam caminho.

Por exemplo, esta proposta de mudar a sede do Tribunal Constitucional para Coimbra não podia nem devia ser considerada um expediente.

Ou, em bom rigor, representaria um absurdo a alegação de constituir uma perda de prestígio a mudança.

Um tribunal como este não depende da localização para se afirmar.

Os juízes que o integram não passariam a fazer trabalho à periferia.

Não seriam menos juízes mesmo que passassem a exercer na Porcalhota.

Os alemães perceberam isso e têm a sede do Tribunal Constitucional fora de Berlim, como esteve fora de Bona.

A questão também não é dependente da análise do custo benefício. É uma questão política.

E ao tribunal não compete determinar a sua sede. 

O poder político democrático é que tem de escolher entre concentrar instituições e meios e emprego e investimentos ou reequilibrar o país.

E porque não discutir agora?

A opção por um lado ou outro ofende quem?

Regressamos ao episódio do Infarmed e das suas absurdas querelas e temores reverenciais.

A visão que temos do país determina o seu futuro e o seu equilíbrio.

Esta redução aos espetáculos televisivos dos debates autárquicos, este entretenimento, este pormenor temporal não pode resumir-se a uma nova versão do quem quer casar com o agricultor.

Não se discute isto agora porque estamos em eleições autárquicas. 

Não se discute noutro tempo porque há coisas mais importantes.

Ou seja, definir princípios é incómodo e sempre inoportuno.

Decidir é um risco.

Arrastamo-nos, portanto.

Valha-nos o sobressalto cívico do primeiro-ministro reagindo ao que considera ser insinuações malévolas quanto à ‘bazuca’, ou ao programa de recuperação, ou ao perigo dos corruptos singrarem.

O seu grito inspirou-me.

«Macacos me mordam!», trovejou.

Macacos me mordam, repito, se não há saída para este país paralisado.