Talvez fosse, mesmo, o momento. Um governo em marcha lenta, um contentamento descontente, um cansaço.
As mesmas ideias de sempre e a discussão larvar sobre o futuro do PS, com a esquerda de dentro a tentar eternizar a relação conjugal com a de fora.
Aquela convicção profunda de que, juntando os trapinhos, a vida continuará a sorrir e os empregos se repartirão.
A inquietude dos herdeiros políticos do Dr. Soares que não conseguem engolir este destino menor.
A frustração dos privados que se sentem arredados da mesa onde serão servidos os dinheiros comunitários.
A classe média a quem os impostos indiretos têm comido, quase sem dor, os rendimentos e sobre quem os diretos se abatem sem piedade.
Tanta, tanta coisa que poderia servir de fermento.
E, claro, a oportunidade das eleições autárquicas e do agitar as águas.
Nem assim.
A uma oposição cúmplice soma-se uma oposição incapaz.
É o país das maravilhas para os passeios do poder.
No fundo, no fundo, as grandes áreas urbanas comandam a vida.
E, mesmo quando, no campo dos princípios, todos pareceriam estar de acordo, cava-se o fosso mais fundo.
Se alguma coisa valesse o restante território, aquelas ideias que de onde a onde nos assaltam e levam a propor uma alteração politicamente significativa fariam caminho.
Por exemplo, esta proposta de mudar a sede do Tribunal Constitucional para Coimbra não podia nem devia ser considerada um expediente.
Ou, em bom rigor, representaria um absurdo a alegação de constituir uma perda de prestígio a mudança.
Um tribunal como este não depende da localização para se afirmar.
Os juízes que o integram não passariam a fazer trabalho à periferia.
Não seriam menos juízes mesmo que passassem a exercer na Porcalhota.
Os alemães perceberam isso e têm a sede do Tribunal Constitucional fora de Berlim, como esteve fora de Bona.
A questão também não é dependente da análise do custo benefício. É uma questão política.
E ao tribunal não compete determinar a sua sede.
O poder político democrático é que tem de escolher entre concentrar instituições e meios e emprego e investimentos ou reequilibrar o país.
E porque não discutir agora?
A opção por um lado ou outro ofende quem?
Regressamos ao episódio do Infarmed e das suas absurdas querelas e temores reverenciais.
A visão que temos do país determina o seu futuro e o seu equilíbrio.
Esta redução aos espetáculos televisivos dos debates autárquicos, este entretenimento, este pormenor temporal não pode resumir-se a uma nova versão do quem quer casar com o agricultor.
Não se discute isto agora porque estamos em eleições autárquicas.
Não se discute noutro tempo porque há coisas mais importantes.
Ou seja, definir princípios é incómodo e sempre inoportuno.
Decidir é um risco.
Arrastamo-nos, portanto.
Valha-nos o sobressalto cívico do primeiro-ministro reagindo ao que considera ser insinuações malévolas quanto à ‘bazuca’, ou ao programa de recuperação, ou ao perigo dos corruptos singrarem.
O seu grito inspirou-me.
«Macacos me mordam!», trovejou.
Macacos me mordam, repito, se não há saída para este país paralisado.