«As jornadas de trabalho longas podem aumentar o risco de acontecimentos desfavoráveis para a saúde como dificuldades psicológicas, sintomas de depressão e ansiedade, declínio das capacidades cognitivas e o aparecimento de perturbações do sono». O alerta é dado por José António Antunes, um dos autores do livro Trabalhar e Viver no Século XXI, que afirma que estes problemas parecem ser mais comuns nos grupos socioeconómicos mais desfavorecidos e apresentam também elevada prevalência em certas profissões do setor da saúde e do serviço social.
Mas deixa outro alerta: «As longas jornadas de trabalho (mais de 11 horas por dia regularmente) podem aumentar o risco de doença cardiovascular, o que reforça a constatação de as horas extraordinárias mantidas (3 a 4 horas por dia) influenciarem de forma adversa a doença cardíaca coronária, aumentando este efeito adverso à medida que essas horas extra aumentam. A pressão e o excesso de trabalho encurtam a vida».
O médico de saúde pública chama ainda a atenção para o facto de, nos últimos anos, terem sido realizados estudos epidemiológicos com vista a conhecer os riscos e as ligações entre jornadas de trabalho longas e doenças físicas e mentais. «De todos os problemas de saúde a doença cardíaca coronária (DCC) foi a mais estudada. No entanto o elevado risco de acidente vascular cerebral, sintomas depressivos, diabetes mellitus de tipo 2, síndrome metabólica, acidentes de trabalho e incapacidade foram descritos em pessoas expostas a longas jornadas de trabalho», refere.
Como solução, José António Antunes suegere que sejam feitos ajustamentos dos ambientes de trabalho no sentido de reduzir o esgotamento mental e de melhorar a satisfação no trabalho, que podem ajudar na prevenção de problemas de saúde mental, que representam uma parte importante da sobrecarga de doença entre os trabalhadores.
«O impacto dos fatores psicossociais, nomeadamente do excesso de horas de trabalho, ocorre através dos mecanismos do stress e os efeitos desse impacto dependem do ambiente de trabalho, de características pessoais do trabalhador e da perceção subjetiva do estressor», refere no artigo, acrescentando que «um fator de risco psicossocial é definido como ‘um estado induzido pelas perceções dos trabalhadores sobre fenómenos no ambiente de trabalho, que são sentidos como desfavoráveis ou perigosos».
Mas garante que o horário de trabalho é uma medida de stress crónico distinto da pressão no trabalho. «O horário de trabalho pode agir como um estressor intrínseco ou atuar indiretamente através de comportamentos e conflitos relativos ao controlo desses horários, exigências do trabalho e interferências com outras atividades de vida dos trabalhadores».
Segundo os estudos realizados, José António Antunes revela que as jornadas de trabalho superiores a 10 horas por dia «aumentam o risco de desenvolver síndrome metabólico e a prevalência da esteatose hepática não alcoólica», referindo que «a explicação poderá residir no facto de as longas jornadas de trabalho estarem associadas à ingestão de alimentos com alto valor calórico, redução da atividade física e diminuição dos períodos de sono. Os indivíduos portadores desta síndrome estão em risco de desenvolver doença cardiovascular e diabetes. A obesidade e o síndrome metabólico e estão intimamente relacionados».
E os problemas não ficam por aqui. O excesso de horas de trabalho aumenta o risco de acidentes no trabalho. «Nos motoristas de transporte, o excesso de horas de trabalho, o turno da noite, uma jornada de trabalho não usual ou de mais de 60 horas de trabalho por semana foram associados a colisões relacionadas com a privação de sono. Os motoristas envolvidos em colisões relacionadas com a privação de sono tinham maior probabilidade de trabalhar em múltiplos empregos, no turno da noite ou em jornadas não usuais. O excesso de horas de trabalho foi responsável por 22% dos acidentes rodoviários, estando associado a uma maior taxa de mortalidade quando comparado com as outras causas», refere o mesmo artigo.
Trabalhar horas extra precedeu, numa média de 5,8 anos, o início de um episódio depressivo maior nos funcionários públicos britânicos de meia idade. Trabalhar 11 ou mais horas por dia aumentou o risco de sofrer um episódio depressivo maior entre 2,3 e 2,5 vezes comparativamente com os trabalhadores com jornadas de trabalho normais entre 7 e 8 horas por dia.
«Longas horas de trabalho podem afetar a saúde através por exemplo de conflitos familiares, dificuldade em relaxar ou pelo aumento mantido dos níveis de cortisol. O efeito das longas jornadas de trabalho na saúde mental também poderá ser diferente em homens e mulheres. Até agora a etiologia exata da depressão não é conhecida, mas é amplamente reconhecido que será multifatorial, envolvendo fatores genéticos, biológicos e psicossociais», acrescenta.
Saúde mental
Outro dos temas abordados diz respeito à saúde mental, que é um dos impactos mais visíveis da covid-19, mas Mariana Neto, outra das autoras do livro Trabalhar e Viver no Século XXI, lembra que é necessário fazer a comparação anterior à pandemia e recorda os dados da OCDE e da Comissão Europeia que estimaram que, em 2015, os custos globais relacionados com a doença mental ultrapassaram 4% do PIB nos 28 países da UE (cerca de 600 mil milhões de euros), incluindo custos diretos e indiretos.
Já para Portugal, estimou-se para o mesmo ano que os custos totais devidos a problemas de saúde mental foram de 6.580 milhões de euros.
Deste total, 2.048 milhões (1,12% do PIB) estiveram relacionados com a despesa direta com o sistema de saúde foi estimada em 2.048 milhões (1,12% do PIB), 1.652 milhões em prestações sociais (0,92% do PIB), enquanto os custos indiretos no mercado de trabalho foram estimados em 2.880 milhões (1,26% do PIB).