Há apenas três anos, 6.275 mortes, em Portugal Continental, foram atribuídas à demência. Destas, 1.629 diziam respeito à doença de Alzheimer. Estes dados foram apurados a partir dos Certificados de óbito na Plataforma da Mortalidade da Direção-Geral da Saúde, pela equipa que levou a cabo o estudo Custos anuais com a Doença de Alzheimer equivalem a 1% do PIB português cujos resultados foram ontem divulgados.
O Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE) da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa uniu esforços com a Biogen, empresa de biotecnologia pioneira na área das Neurociências, e, tendo em conta o elevado número de óbitos que a Alzheimer origina em território nacional, percecionou que esta patologia é atualmente responsável por cerca de 7% do total de anos de vida perdidos por morte prematura, sendo este impacto superior nas mulheres, com uma percentagem de 7,6%, enquanto os homens alcançam apenas 6,4%.
Não existem estimativas portuguesas representativas a nível nacional para a prevalência da patologia, sendo que os investigadores selecionaram uma que considerasse os dados da literatura quanto à proporção de Alzheimer no conjunto das demências e as estimativas de prevalência das mesmas. Deste modo, acreditam que, nas faixas compreendidas entre os 65 e os 80 ou mais anos, são as mulheres que mais são afetadas (13,61% de doentes com Alzheimer no universo da demência), enquanto a prevalência é menor naquelas entre os 65 e os 69 anos. (1,76%). No caso dos homens, as percentagens variam entre os 1,76% e os 12,75%, escalando esta à medida que avançam na terceira idade.
Por outro lado, o estudo revelou que a Alzheimer foi responsável por 45.754 anos perdidos por incapacidade, mais de dois terços dos gerados pela Aterosclerose. Tal como no caso das mortes, em que as mais afetadas são as mulheres, também são estas que mais anos perdem por incapacidade (60%).
Os autores tentaram colmatar a lacuna da apuração do universo de portugueses que padecem desta doença e calcularam que, aproximadamente, 36.789 vivem com demência ligeira, 59.245 com demência moderada e 47.300 com demência grave. Ou seja, perfazendo um total de 143.334 doentes. Portanto, em Portugal, existem cerca de 194 mil pessoas com variadas demências, das quais 60% a 80% são casos de Doença de Alzheimer – perto de 145 mil.
Mobilizados 2 mil milhões em custos diretos médicos e não médicos Naquilo que diz respeito aos custos, a sociedade investe cerca de 2 mil milhões de euros, todos os anos, nesta doença, sendo a maioria das despesas referentes a custos diretos não médicos, tais como cuidadores informais, cuja despesa ronda os 1.1 milhões de euros – ainda na segunda-feira, os prazos para a entrega de documentos para o processo de reconhecimento e de manutenção do estatuto do cuidador informal foram alargados até 30 de novembro, segundo uma portaria publicada – e apoios sociais, que correspondem a um custo anual de cerca de 551 milhões, equivalente a uma despesa média anual de cerca de 3.800 euros por doente.
Além disto, são necessários os dispositivos de apoio – cadeiras de rodas e apoios à marcha –, os acessórios para cuidado – fraldas, luvas, resguardos e toalhitas – , as adaptações físicas do domicílio, os apoios sociais – Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI) e apoio a doentes no domicílio por meio de transportes. As despesas anteriormente mencionadas podem ser superiores em caso de doença mais grave.
Relativamente aos custos médicos, que constituem 11% do total dos custos anuais associados à Alzheimer, estes dizem respeito ao internamento, ambulatório – a maior fatia da fatura –, diagnóstico, seguimento, tratamento de reabilitação e tratamento farmacológico cujo total estimado é de cerca de 166 milhões de euros, isto é, um custo médio anual por doente ronda os 1.700 euros.
Gastos familiares muito superiores A doença de Alzheimer é de cariz neurológico progressivo e o tipo de Demência mais frequente. Uma das componentes principais da mesma é a acumulação progressiva de placas da proteína beta-amilóide no cérebro, que acaba por comprometer a ligação entre as células cerebrais e, consequentemente, deteriora as mesmas, conduzindo à perda de um conjunto de funções cognitivas, como a capacidade de memória, de raciocínio, de linguagem, de concentração, etc. Consoante a perda destas capacidades, dá-se o aumento da dependência dos idosos e, na maioria dos casos, a morte destes.
Ana Isabel tem 58 anos, vive na periferia de Lisboa, e, como o pai tem somente uma reforma que ronda os 500 euros, e a mãe uma ainda mais reduzida, gastando aproximadamente 600 por mês para que não tenham quaisquer necessidades. “Tenho de comprar fraldas e cuecas-fralda, porque a incontinência já está num grau em que não permite que não tenha determinados cuidados”, explica, em declarações ao i, acrescentando que também produtos como pomadas com óxido de zinco “são essenciais para que não se criem escaras, um dos grandes problemas dos idosos acamados”.
Augusto não tem a mobilidade totalmente reduzida, mas, aos 83 anos, pouco sai do quarto. Vai à rua uma vez por mês, quando tem a consulta de Neurologia. Depois de ter fumado toda a vida, os efeitos do tabaco começaram a fazer-se sentir por volta dos 70 e, desde aí, qualquer esforço físico afigura-se demasiado complexo para o idoso e a circulação sanguínea também não está no seu melhor. Como se estes problemas não fossem suficientes, o antigo empregado de mesa sofre de diabetes e a glicemia tem de ser medida, pelo menos, três vezes por dia, antes e após as refeições, algo que a companheira não é capaz de fazer.
“Como a minha mãe só tem menos dois anos do que ele, e eu tenho de trabalhar, tive de contratar uma cuidadora formal, que já tinha tratado de uma senhora de 90 anos que sofria de Parkinson, em Santarém, para que esteja em casa com eles na maior parte do tempo”, diz, explicando que a mesma trata da higiene pessoal do progenitor, dá-lhe comida – “principalmente, purés de fruta e sopas” –, faz algumas tarefas domésticas como a troca da roupa de cama, tendo em conta que, hoje em dia, Augusto não dorme com a esposa, mas sim numa cama articulada, e tenta estimulá-lo cognitivamente.
No entanto, o homem já reage a poucas interações e limita-se a contestar, muitas das vezes, as tentativas de demonstração de cuidado tanto da mulher como da filha e da empregada. “Há dias em que o humor está bastante estabilizado e em que a medicação funciona realmente, mas, noutros, parece que está noutro mundo. No fundo, nem sequer sei se nos reconhece, porque passa noites a gritar e chega a ser agressivo”, confessa, esclarecendo que, ainda na passada sexta-feira, ia caindo à entrada da casa de banho porque não queria que a cuidadora o cobrisse com a toalha de banho, para que o corpo fosse devidamente seco. “Acho que, em alguns momentos, está lúcido e tem vergonha da nudez”.
Assim, aos 600 euros que Ana Isabel gasta em medicação – como Metformina para controlo da Glicemia e Rivastigmina para impedir a evolução ainda mais rápida da doença de Alzheimer –, alimentação, produtos de higiene e algo mais que seja necessário, acrescem 800 que paga à cuidadora que, durante oito horas – e, em algumas fases, mais do que isto – acompanha o pai e a mãe também. “Estou-lhe muito grata porque cuida deles como se fossem familiares dela. Mas, vou ser sincera, o esforço financeiro é demasiado grande. Eu e o meu marido fazemos uma ginástica orçamental constante para que nada lhes falte. Tenho, pelo menos, sorte nesse aspeto, porque se ele não quisesse contribuir, acho que os meus pais já estariam a passar mal. Ele ganha bem mais do que eu”, admite a gerente de um café que, em média, a cada ano, gasta 16 mil e 800 euros para que o pai tenha qualidade de vida. E sempre que está de folga, dirige-se à casa dos pais sem hesitação para que a cuidadora formal também possa descansar.
De acordo com os últimos dados veiculados pela Associação Nacional de Cuidadores Informais, existem 1,4 milhões de portugueses que cuidam daqueles que mais amam sem receber qualquer remuneração, correspondendo a 15% da população.