Por António Silva Carvalho, médico reformado
O semanário Expresso – que uns quantos milhares acham ser ainda o mais influente jornal generalista do país, e cujo lema publicitário é ‘liberdade para pensar’ (como se a liberdade e a propensão para pensar pela própria cabeça pudessem depender de a pessoa ler regularmente ou não determinado jornal) -, escolheu como tema do programa «Expresso da meia-noite» da semana passada o fenómeno do “negacionismo” em Portugal, e considerou liminarmente ser “negacionista” quem quer que tenha uma atitude crítica perante o comportamento e as medidas impostas pelas nossas autoridades de saúde em matéria de luta contra a pandemia Covid. Para o efeito, reuniu apenas apoiantes do discurso e das políticas sanitárias oficiais: três jornalistas, um avaliador da ortodoxia ou “cientificidade” das práticas ditas médicas, uma virologista, e um médico clínico.
O resultado desse “debate” foi aquele que se poderia esperar, tendo em conta os critérios de selecção do painel – certezas e unanimismo por parte dos intervenientes – e, aparentemente, veio dar razão àqueles que, em Portugal, olham com nostalgia para os tempos célebres da nossa História durante os quais o Tribunal da Santa Inquisição se esforçava por evitar que os fiéis portugueses fossem vítimas da pérfida e perigosa influência dos judeus e outros herejes.
Mas a meu ver foi um programa lamentável, quanto mais não seja por violar regras básicas do jornalismo, que quaisquer opiniões críticas (mormente as de médicos tão responsáveis, respeitáveis e conceituados como o Prof. António Ferreira e o Dr. Fernando Nobre) tenham sido ignoradas ou desprezadas, como se valessem zero ou fosse proibido (por quem?) ouvi-las em público, pois isso transformou o pretenso “debate” num mero exercício de propaganda às autoridades sanitárias do dia.
Caso o Expresso e a SIC entendam que estão a fazer falta, na nossa sociedade, instituições e uma atmosfera mental e psicológica que de algum modo representem o renascer dos princípios e métodos da Inquisição, então teremos todos que nos preparar a sério para uma época ainda mais conturbada e perigosa que a actual (como aconteceu por exemplo nos EUA durante a presidência de Donald Trump), pois eu creio que muitos portugueses contemporâneos, apesar do modo como têm sido “governados” e doutrinados, já não aceitarão pacificamente viver num país assim – e, realmente, o Portugal de hoje, por mais atrasado e sectário que esteja a tornar-se, não deveria poder ser confundido com um país de características medievais.