Eu sei. Pela consulta fria dos números o Partido Socialista ganhou as eleições autárquicas.
Mas não posso ignorar também que alguma coisa está a acontecer.
Vejo-o pelo semblante do primeiro dos ministros.
Vejo-o pela mensagem enviada aos socialistas.
Vejo-o pelas atribulações do dia de hoje.
Não é normal que o ministro da Defesa afronte o Presidente da República.
É inusitado que o ministro dos aviões e dos comboios critique publicamente o ministro das Finanças, na ressaca da demissão do presidente da CP, no preciso dia em que são anunciados mais mil milhões para a TAP.
É extraordinário como o mesmo ministro recuperou tantos comboios e se não lembrou de articular a produção com a operação. Como tem comboios e lhe faltam motoristas.
Lembra aquela figura de estilo pela qual a pessoa fala mais depressa do que pensa.
Será o caso?
Aquela peculiar forma de intervir na campanha eleitoral, a tentativa de recuperar a campanha alegre e o bacalhau a pataco, dizem muito sobre o modo como o Dr. António Costa se encontra.
Em qualquer país civilizado tudo isto seria um escândalo.
Em cada esquina um amigo, diz a canção. Está bem mas não pode ser assim.
O primeiro dos ministros não pode, por mero decoro, descer a terreiro a prometer quanto cada um quer e lhe faz jeito em nome do Governo ao qual preside.
E isso não aconteceu uma vez. Foi uma constante repetida com laivos de total encenação.
Foi nacional a campanha. Não foi local.
E perdeu-se entre o entusiasmo dos crentes e a estupefação do cidadão comum.
Os crentes porque se sentiram vencedores antecipados e os demais porque se sentiram ofendidos na sua inteligência.
Não ignoro como será difícil governar no fio da navalha.
Como será um exercício de equilíbrio destruir o PCP e desfazer o BE e, ao mesmo tempo, convocá-los ao entendimento para um orçamento ‘to be’.
Conviria diminui-los até ao limite, dir-se-ia.
Ao mesmo tempo que se assiste ao progressivo desaparecimento anunciado do PAN.
Assim, quando chegar a hora da verdade, existirão os seus deputados na Assembleia mas a projeção eleitoral de cada um dilui-se.
Bastará um qualquer pequeno aceno de abertura para enfunar as velas.
Resistiu a isso o PCP de Lisboa. Fez a vida negra ao candidato do PS.
Também no PCP se tenta definir a nova liderança. Por isso Loures foi à vida.
E o aparecimento de uma figura como Carlos Moedas, e tanto quanto significou em termos de projeção nos resultados das juntas de freguesia, foi o pior dos pesadelos.
Percebe-se que, em alguns centros urbanos mais exigentes, seja em Lisboa, seja no Porto, seja em Coimbra, seja em Oeiras, seja em Braga, seja no Funchal, seja em Aveiro, seja em Cascais, o PS ou a união das esquerdas não é suficiente.
Isto é, constata-se que é possível quebrar o enguiço.
Dependerá do quê?
De pessoas, de confiança, de alternativas claras, de novos tempos.
Esta ideia da esperteza feita política, do equilibrismo tático, da sobranceria, da anestesia, da tentativa de colonizar ou anular os demais poderes terá os dias contados.
O dr. Costa foi o grande obreiro desta tarefa, com requintes de malvadez e frieza.
Está nervoso porque, inteligente como é, percebeu ter chegado ao limite.
A partir daqui é, como me dizia um amigo quando fez cinquenta anos, sempre a descer.