O general Ramalho Eanes apontou críticas à «demasiada centralização governativa» das Forças Armadas, comparando-a aos «erros do passado» da Primeira República e do PREC (Processo Revolucionário em Curso), durante uma conferência em homenagem ao general Loureiro dos Santos, falecido em 2018, seu companheiro nas movimentações militares do 25 de Novembro. As críticas do ex-Presidente da República surgem no rescaldo da polémica tentativa de exoneração do chefe do Estado-Maior da Armada, Mendes Calado.
«Pelo menos uma parte do Exército tem o sentimento de que existe uma certa animosidade política relativamente às Forças Armadas», declarou Ramalho Eanes, lamentando a «governamentalização e a ameaça decorrente, até de partidarização, que, ultimamente, se tem acelerado e intensificado». Eanes referia-se certamente à recente polémica em torno do processo de substituição do almirante Mendes Calado pelo vice-almirante Gouveia e Melo, que concluiu a sua missão de coordenação da task force da vacinação contra a covid-19.
Ramalho Eanes também não poupou a recente aprovação das alterações à Lei de Defesa Nacional e da nova Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA), que, na prática, servem para centralizar poder no Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), em detrimento dos ramos. Trata-se de uma «opção de curto-circuitar os chefes dos ramos, que são quem detém o conhecimento detalhado do emprego dos meios», considerou o antigo Presidente. O resultado são duas dimensões em que «o seu envolvimento é contraproducente ou gerador de novos tipos de tensões», continuou Eanes. Recorde-se que o general, num manifesto conjunto com 28 outros ex-chefes militares, já tinha pedido um travão daquilo a que chamam «reforma Cravinho» (em referência ao atual ministro da Defesa, João Cravinho).
Estes são problemas que se agravaram mas que já vêm de trás, ressalvou Ramalho Eanes, mostrando «incompreensão e mágoa» por nunca até aqui se ter realizado «a indispensável e inadiável reforma das Forças Armadas».