Por Alexandre Faria
Escritor, advogado e presidente do Estoril Praia
No rescaldo das últimas eleições autárquicas deveremos conferir uma atenção especial a diversos fatores que começam a crescer na nossa sociedade, por constituírem dificuldades e empecilhos no esforço permanente de construção da democracia.
Se podemos considerar que existiram vitórias naturais, previamente expectáveis, também fomos chocados por resultados inesperados ou por transferências de votos pouco habituais em alguns campos políticos, obrigando a uma leitura mais aprofundada acerca das motivações de um eleitor.
Um dos grandes segredos por desvendar na política reside precisamente aí, na habilidade de compreender o comportamento eleitoral e tentar antecipar a sua crescente imprevisibilidade.
Reféns em excesso dos grupos focais ou das sondagens, que apenas registam tendências momentâneas pouco aprofundadas, diversas candidaturas acabaram surpreendidas pela diferença considerável entre as suas previsões e os resultados que obtiveram. Não sendo inédito, acaba por evidenciar um desfasamento cada vez maior entre as opiniões de circunstância e o verdadeiro sentimento silencioso expresso nas eleições. Na atual democracia, o barulho das redes sociais, sejam pessoais ou de movimentos criados pelos mais diversos motivos, as balizas ideológicas dos partidos ou até a opinião publicada, correm gradualmente em pistas diferentes do eleitor, que pode ser influenciado, mas não cede na sua liberdade de interpretação acerca das opções que toma.
A par disto, por se tratar das eleições que proporcionam as escolhas dos seus representantes mais próximos, a taxa de abstenção a todos deve preocupar, não tendo sido minorada pela entrada em cena de novas forças partidárias. Estas autárquicas registaram a segunda taxa de abstenção mais alta desde as primeiras eleições em 1976, ultrapassando, em muitos casos, mais de metade dos eleitores inscritos.
Para além de interpretar o comportamento da sua comunidade, o que a motiva e os seus anseios, o próximo desafio autárquico terá de assentar na transparência ao longo do mandato, na prestação de contas aos seus cidadãos e no estímulo permanente da participação cívica, de modo a respeitar a delegação recebida e possibilitar o restabelecimento da confiança na democracia.