Ao sexto dia consecutivo a fazer greve de fome, Glória Novais, de 59 anos, sente que o corpo começa a acusar o desgaste, mas a cabeça continua a querer lutar contra os alegados crimes de que foi vítima.
"Hoje estive com o meu marido no mercado de Benfica. Já pedi apoio a outros colegas da função pública para se estiver muito frio à noite porque o meu marido ainda está a antibiótico, depois do fim de semana passado. E, assim, vão-se revezando para me dar apoio", conta ao i a trabalhadora que exerce funções há 33 anos e, depois de ter passado pela Junta de Freguesia de Benfica e pelo mercado da mesma cidade, espera protestar na Presidência da República, na Procuradoria-Geral da República, na Provedoria de Justiça, no Ministério do Trabalho e noutros pontos que considera estratégicos na cidade de Lisboa.
"Tenho visto que as pessoas dizem coisas como 'Estamos em Portugal, a língua portuguesa é que conta'. A única coisa que garanto é que estou a fazer uma greve de fome pacífica e ordeira, por isso, não vou tolerar que me venham provocar. Escrevam aquilo que quiserem porque estou por tudo", explica a licenciada em Gestão e quase mestre em Gestão Financeira que já perdeu cinco quilos desde a quinta-feira passada e assume que se sente "desorientada" por vezes, não se consegue concentrar devidamente, mas vai bebendo muita água para se hidratar.
"Esta noite talvez coma uma sopa", diz, revelando que tem recebido mensagens de colegas que a apoiam. "Aquilo que acho engraçado é que o povo acha tanto que não há nada a fazer que fica resignado. Não sabem que, se todos nos unirmos, um dia isto mudará. Até li há bem pouco tempo um estudo que aponta que concordam que há muita corrupção no país, mas não fazem nada. E isso é frustrante. Se sabemos como está o nosso país e são os seus impostos a serem gastos despoderadamente, como é que continuam impávidos e serenos?", questiona.
Considerando que "há tantos funcionários" em circunstâncias iguais ou piores do que a sua, lamenta que os mesmos não levem a cabo ações como aquela que iniciou há quase uma semana. "Temos de ser valorizados e tirarmos esta imagem má que existe porque há muito bons trabalhadores encostados à prateleira. O meu marido assistiu, durante estes anos todos, a toda a espécie de perseguição, represálias, assédios laboral e moral. Só pode apoiar-me porque sabe que, quando chego ao meu limite, levo a minha luta à frente", avança, acrescentando que os filhos se sentem igualmente revoltados por constatarem aquilo que tem vindo a sofrer durante três mandados: o de Domingos Alves Pires, o de Inês Drummond e o de Ricardo Marques.
"Seja o que Deus quiser: despeçam-me, prendam-me, matam-me, mas não vou desistir da luta. Tenho colegas que não se manifestam por medo porque o presidente ganhou com a maioria, mas já vieram alguns cumprimentar-me e dar-me força, alguns até estão preocupados com a minha saúde" e respeitam a sua luta. "Aquilo que a Junta de Freguesia responde é que as minhas funções são adequadas ao cargo de Técnica Superior e não ao de assistente. Eu sei que tenho capacidades para servir melhor o meu país".
"Não temos conhecimento de quaisquer comportamentos discriminatórios por parte deste Executivo, visando a funcionária Glória Novais. Voltamos a reiterar, relativamente à sua situação laboral, que não corresponde à verdade que as funções atribuídas à trabalhadora, no Centro Clínico da Junta de Freguesia de Benfica, se reportem à categoria profissional de Assistente Técnica", disse a Junta de Freguesia de Benfica em resposta ao i, adiantando que o Centro Clínico da Junta de Freguesia, em que Glória foi colocada, "está integrado na Orgânica Saúde e a funcionária tem funções de índole social, administrativa e institucional na sua qualidade de Técnica Superior".
"Salientamos que a trabalhadora em causa está de baixa médica desde o dia 19 de junho de 2021 e não compareceu à Junta Médica, que tinha agendada para o passado dia 11 de outubro, para verificação da sua situação clínica", referiu, concluindo que "a funcionária tem ainda comparecido às consultas de Medicina do Trabalho e foi sempre dada como apta para desempenhar as suas funções, sem qualquer restrição, o que aconteceu também na última consulta, no passado dia 19 de abril".
A seu lado, Glória clarifica que "a Junta tem referido que iria para uma junta médica, a 11 de outubro, mas segundo a mesma, é a ADSE que a marca", sendo que já foi contactada pela ADSE e sabe que terá de comparecer à avaliação de incapacidade no dia 25 de outubro.