Leãozinho

O ministro das Finanças parecia apostado em ter uma entrada de leão, mas acabou domesticado

Analisar o Orçamento rubrica a rubrica é um exercício perfeitamente inútil.

Desde que António Costa chefia o Governo, o Orçamento é um conjunto de papéis que só serve para enganar toda a gente.

O Governo faz um rascunho, o BE e o PCP protestam, ameaçando com o chumbo, o Governo refaz o documento satisfazendo algumas reivindicações daqueles partidos, estes cantam de galo dizendo aos seus eleitores que conseguiram isto e aquilo, o orçamento é aprovado – e depois o ministro faz o que quer, respeitando umas rubricas, ignorando outras, perante a complacência da esquerda, que não quer dar a ideia de que as suas ‘conquistas’ não serviram para nada.

O Orçamento deste ano tinha, porém, um picante: o incómodo que o rascunho causou junto do PS e dos outros ministros, com destaque para o rebelde Pedro Nuno Santos.

Parecia que o ministro das Finanças, assumindo o seu apelido, vestira a pele do leão e batia o pé aos seus colegas de Governo, não lhes satisfazendo as reivindicações. 

Furioso, Pedro Nuno Santos atacou-o frontalmente, adivinhando-se um conflito grave.

Diga-se que é este o papel do ministro das Finanças.

Todos conhecemos a história da ascensão de Salazar a esta pasta, em 1928, quando exigiu plenos poderes sobre o controlo do orçamento dos vários ministérios, fosse no aumento da despesa ou na diminuição da receita.

Mais recentemente, no tempo da troika, coube esse papel de mau da fita a Vítor Gaspar, a quem se atribui uma célebre frase: «Não-há-dinheiro! Qual destas três palavras foi a que não percebeu?».

E há menos tempo ainda, Mário Centeno teve de resistir às pressões dos outros ministros quando quis fazer um orçamento com défice zero.

 

Claro que João Leão não tem a força que Salazar tinha, nem a que Gaspar tinha (coberto pela troika), nem mesmo a que Centeno tinha.

Mário Centeno foi adquirindo um ascendente no Governo que o catapultou para o patamar de ‘intocável’.

E acabou por sair pelo seu pé.

João Leão, pelo contrário, não tem sequer o estatuto que devia ter um ministro das Finanças.

Sendo secretário de Estado no anterior Governo, os outros ministros veem-no como um subalterno e não o respeitam.

Isto confirma o que sempre pensei sobre a ascensão de secretários de Estado a ministros.

Há casos que correm bem, como o de Maria Luís Albuquerque, mas muitas vezes corre mal. 

Encostado à parede por Pedro Nuno Santos, João Leão rendeu-se.

Criticado no PS e no Governo pela sua intransigência, mandou a teimosia às urtigas e cedeu em toda a linha.

Quem o ouvisse na conferência de imprensa desta semana, diria que Portugal é um país rico: há dinheiro para satisfazer todos os ministros, há dinheiro para pagar a fatura da CP e para aumentar a verba do SNS, há dinheiro para tudo — sem necessidade, note-se, de aumentar os impostos, pelo contrário, diminuindo-os um pouco com a reformulação dos escalões.

Subitamente, parecia que o dinheiro esticava. 

Nesta conferência de imprensa, Leão já não era leão.

Era um leão domesticado – um leãozinho.

Todos os ministros podiam cantar satisfeitos: 

Gosto muito de você, leãozinho

Para desentristecer, leãozinho.

Se eu estivesse no lugar de António Costa, não estaria tranquilo.

Ter no Ministério das Finanças um ministro fraco, um ministro sem capacidade para dizer ‘não’, é altamente perigoso.

Portugal já tem uma dívida gigantesca.

Se o ministro não conseguir controlar o défice público, e o deixar derrapar, será o descalabro.

P.S. – Na semana passada escrevi sobre a tentativa do ministro Cravinho de mudar o chefe do Estado-Maior da Armada, demitindo António Calado e nomeando Gouveia e Melo para o seu lugar. E adiantei que poderia ser uma manobra para calar o vice-almirante – que, tendo saído da task force das vacinas descontente podia vir a tornar-se uma voz incómoda. 

Ora, esta semana Gouveia e Melo foi ao Parlamento. E ficou claro o seu desacordo relativamente ao que a ministra da Saúde tem dito. Criticou as farmacêuticas, dizendo que por vontade delas as crianças seriam vacinadas até aos… «zero anos». E afirmou que Portugal tem doses suficientes para ministrar a 3.ª dose a toda a população, embora a seu ver isso seja «desnecessário».

Nem é preciso ser bom entendedor para desenredar a meada.