“Vamos andando. Amanhã faz duas semanas. Passo por altos e baixos, mas tenho estado a lutar”, começa por dizer, em entrevista ao i, Glória Novais, a funcionária pública de 59 anos, da Junta de Freguesia de Benfica, que está em greve de fome há 13 dias por desejar ser ouvida acerca do alegado assédio laboral e moral, assim como do racismo, de que terá sido vítima durante três mandatos: o de Domingos Alves Pires, o de Inês Drummond e o de Ricardo Marques.
A exercer funções há 33 anos, Glória já passou pela Junta de Freguesia de Benfica, pelo mercado da mesma freguesia e, na tarde de ontem, deslocou-se até à Escola Superior de Música do Instituto Politécnico de Lisboa, local onde decorreu a tomada de posse de Ricardo Marques, reeleito nas eleições autárquicas de 26 de setembro. O objetivo é protestar também na Presidência da República, na Procuradoria-Geral da República, na Provedoria de Justiça, no Ministério do Trabalho e noutros pontos que considera estratégicos na capital.
“Ontem fui um cartaz ambulante. Disseram-me que podia ficar com a t-shirt, mas não com o resto, como as faixas que preparei. Respeitei as ordens, como sempre, e fiquei até meio da cerimónia porque comecei a sentir muita revolta e podia fazer algo de que me arrependesse”, explica, adiantando que, antes de ter ido para casa ver o resto online, ninguém se dirigiu a si à exceção dos colegas que a cumprimentaram e de uma idosa que ajudou quando trabalhava na vertente da Ação Social. “Ela até chorou, estava muito emocionada”.
Para a funcionária pública, o BE, o Chega e a CDU são os partidos “que falaram muito bem sem citar nomes”, sendo que a mulher tenta seguir esta mesma estratégia para que as suas ações possam continuar a decorrer pacificamente. “O Sindicato já tinha pedido uma reunião com o Executivo, este último propôs uma data em que não podiam e, curiosamente, hoje já aconteceu”, diz, avançando que lhe foi pedido que fosse trabalhar e transmitido que no centro clínico seriam afinadas as funções a desempenhar.
Por outro lado, a trabalhadora já pediu o relatório médico para comparecer à Junta Médica no próximo dia 25 de outubro. “Vou trabalhar se assim quiserem e se me sentir capacitada. Espero que a Junta tenha discernimento para perceber que não tem agido corretamente comigo”, desabafa, admitindo que já perdeu mais de sete quilos e, por não se sentir com força suficiente para continuar a levantar a voz e fazer-se ouvir, tem comido algo ao pequeno-almoço e uma sopa à noite. “Tenho sido aconselhada a parar”.
“Vamos ver aquilo que acontece, pois está tudo pendente da resposta da Junta. Já fui convidada para dar uma entrevista a dois canais televisivos, mas recusei porque tive medo de meter os pés pelas mãos devido à pressão do direto”, confessa, dando “graças a Deus” por estar a tomar medicação psiquiátrica. No entanto, apesar das adversidades, sente-se feliz por entender que “ficou bem assente que há problemas” e a sua batalha não passar despercebida.
“Não estou a lutar só por mim, mas também pelos restantes funcionários públicos que aguentam as crises dos últimos 20 anos sem aumentos e a falta de transparência”, garante, enquanto o marido, Henrique Novais, grita “Chega de fazer mal à minha família!” e chora. “Como é que vivemos em democracia se isto continua a acontecer?”, questiona. “Somos pessoas íntegras, podem vasculhar a nossa vida à vontade”, sublinha.
Recorde-se que, em declarações anteriores ao i, Glória assinalou que, apesar de ser licenciada e ter frequentado o ano curricular de um mestrado, acredita que nunca exerceu funções compatíveis com as suas habilitações académicas. Para além disso, entre outras situações, asseverou que foi vítima de racismo e alegou que Domingos Alves Pires lhe chamou “preta” e “golpista” no decorrer de uma discussão relativa ao período de marcação de férias.