Por intermédio do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), esta semana participei na monitorização estrutural de várias pontes da Rodovia Transamazônica no Brasil.
Fruto de um modelo de desenvolvimento iniciado por Juscelino Kubitschek, a Transamazônica foi parcialmente inaugurada em 1972 no tempo da ditadura militar por Emílio Médici, sob o slogan nacionalista de ‘integrar para não entregar’. Esta rodovia com mais de 4000 km pretendeu trazer desenvolvimento à região da Amazónia, na altura pouco habitada e muito isolada do restante território, ligando o Nordeste ao Norte do país para ‘levar homens sem terra para uma terra sem homens.’ Na época, o derrubamento das matas era símbolo de progresso.
Mas a obra continua inacabada. Apesar dos esforços recentes realizados pelo DNIT na melhoria da transitabilidade e na busca de iniciativas sustentáveis durante todas as fases da rodovia, ainda há pontes em madeira e vários trechos em terra batida. Além disso, hoje apesar de um novo conceito de desenvolvimento, que incorpora a variável ambiental no contexto do crescimento económico, em relação aos demais empreendimentos implantados na região, o desmatamento nas áreas próximas à rodovia é visto como uma ameaça ambiental. Em termos sociais, a população sente-se defraudada e os povos indígenas ameaçados.
A rodovia tem sido importante para ajudar a explorar o minério da região e permitir a construção de grandes obras nacionais, tais como as barragens de Tucuruí e de Belo Monte. Mas a construção destas trouxe apenas crescimento económico efémero, com profundos desequilíbrios sociais nas principais cidades.
Entretanto, após 50 anos de Transamazônica, as cidades cresceram desligadas. A região vive um impasse sobre o tipo de crescimento económico e social a seguir. A economia local é ainda baseada no comércio de madeira, cacau e carne bovina. O turismo é escasso. O mundo acha que a Amazónia é de todos; o Brasil acha é deles. E a nova vida em asfalto? Irá ‘ligar para integrar’ ou apenas servirá para continuar a explorar?
Em Portugal, o novo Plano de Recuperação e Resiliência visa reforçar a robustez social, económica e territorial através do reforço das ligações indispensáveis à afirmação do interior. O exemplo da Transamazônica impõe uma reflexão sobre a melhor forma de garantir planos estratégicos de longo prazo, de forma a minimizar os riscos associados a decisões tomadas num dado período político, que são anuladas no período seguinte com um custo social inquantificável. Este exemplo mostra que por vezes vais vale uma ideia adiada do que uma obra inacabada.
*Diretor da Licenciatura e Mestrado em Engenharia Civil
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias