Durante a passada quarta-feira, no Parlamento, discutindo o Orçamento do Estado para 2022, o líder da bancada do PSD, Adão Silva, e o deputado único do IL, João Cotrim Figueiredo, desejaram “paz à alma” da ‘geringonça’. E a realidade é que o OE2022 acabou mesmo chumbado e a profecia ficou mais perto de se cumprir. O país entrou em estado de crise política, o Parlamento está a curtos passos de ser dissolvido e já só se pensa em dois conceitos: governar em duodécimos e eleições antecipadas.
Assim que se soube do chumbo do OE2022, todos os olhos se viraram para Marcelo Rebelo de Sousa, que hoje ouve os parceiros sociais, amanhã os partidos políticos e dia 3 o Conselho de Estado.
À esquerda e à direita proliferam as opiniões e as sugestões, numa altura em que António Costa, em visita oficial a Espanha, respondia aos jornalistas empurrando para Marcelo Rebelo de Sousa a responsabilidade da convocação de eventuais eleições antecipadas.
No PSD, por exemplo, Paulo Rangel, candidato à liderança do partido nas próximas eleições diretas, defendeu a antecipação do Congresso do partido, bem como das próprias eleições legislativas para 20 ou 27 de fevereiro. Isto na mesma conferência de imprensa onde foi anunciado que Miguel Poiares Maduro será o coordenador das bases do seu programa.
E, numa discussão paralela, mas semelhante, também no CDS-PP se debatia o possível adiamento do Congresso dos centristas, numa altura em que o eurodeputado Nuno Melo se prepara para disputar a liderança de Francisco Rodrigues dos Santos. “Quem queira apresentar-se nas urnas no final de Janeiro ou início de Fevereiro, num momento em que já terminou o mandato, perdeu qualquer noção do sentido da democracia que o CDS ajudou a fundar em Portugal”, acusou Nuno Melo na sua página do Facebook, horas antes de se saber que Francisco Rodrigues dos Santos vai pedir a convocação de um Conselho Nacional Extraordinário, de forma a discutir o eventual adiamento das eleições internas do CDS. “Após tomar conhecimento da carta que me foi dirigida por altos representantes de órgãos locais e regionais do CDS-PP e por não ser indiferente aos argumentos ali apresentados a favor da necessidade de dar prioridade à preparação atempada das Eleições Legislativas, em detrimento da realização imediata de um Congresso, decidi solicitar ao presidente do Conselho Nacional a convocação urgente deste órgão, para reunião extraordinária, com vista a deliberar sobre a realização do XXIX Congresso Nacional do CDS-PP”, lê-se numa nota enviada à comunicação social.
Opiniões várias Quinta-feira foi dia de contar munições, reservas e preparar os próximos meses. Prontamente, os diferentes protagonistas políticos e comentadores deram os seus relatos sobre o ‘dia seguinte’ ao do chumbo do OE2022, e as opiniões variam em todo o espetro político.
Ao i, o politólogo João Pereira Coutinho recorda que já no início do mês tinha augurado um chumbo do OE2022 e a chamada antecipada às urnas. “A 6 de outubro disse que suspeitava que vinha aí uma crise política e eleições antecipadas, porque era racional que assim fosse para todos os participantes da esquerda. O Partido Socialista para tentar maioria absoluta, e PCP e BE para deixarem de ser penalizados nas eleições e poderem, pelo menos no médio prazo, voltar a crescer como partidos de protesto”, avançou Pereira Coutinho. “Nem o PS quis dialogar ou negociar seriamente, nem o BE ou o PCP. Todos eles pensaram nos seus próprios interesses eleitorais, e em segundo plano ficaram os interesses do país”, lamentou o politólogo, que deixou ainda um estilo de antevisão do futuro próximo: “Aquilo que eu espero é que o Presidente da República siga aquilo que disse, dissolva a Assembleia e convoque eleições. Também espero que o PR possa dar a todos os partidos, a começar pelos partidos à direita do PS, o tempo para poderem reorganizar-se e ‘relegitimarem’ as respetivas lideranças”.
“Sobre o futuro, parece-me que quer o PCP, quer o BE, mas também o PS, serão penalizados nas próximas eleições. O Bloco e o PCP serão penalizados porque vão ser responsabilizados por esta crise, mas também aquele eleitorado de sempre, que tanto vota pelo PS como pelo PSD, obviamente não pode ter deixado de ficar horrorizado com a leviandade com que este OE foi tratado”, continuou, antes de deixar um aviso à navegação: “Se a direita, e em particular o PSD, tiver uma nova liderança, prevejo que as novas eleições serão penalizadoras para os partidos de esquerda.”
Faltou mudança Quem também se bateu sobre o assunto, em conversa com o i, foi o deputado socialista Ascenso Simões, que começou por afirmar, sem dúvidas, que “vamos ter eleições em fevereiro”.
“O país vai ficar a aguardar meio ano por um novo orçamento, isto se as negociações para a constituição de um novo Governo não se arrastarem”, continuou o deputado, recordando os casos da Holanda e da Bélgica, onde “chegam a ser meses”. Ascenso Simões lamentou o adiamento iminente de assuntos como “fundos comunitários, investimento estrangeiro e a recuperação económica”, bem como um atraso “no regresso aos indicadores pré-pandémicos”.
Quando questionado sobre aquilo que “faltou” para que o OE2022 fosse aprovado, Ascenso Simões falou numa mudança dos partidos à esquerda do PS: “Temos uma dívida enorme que não facilita a aceitação de propostas incomportáveis”.
Europa preocupada A iminente crise política em Portugal já chegou a Bruxelas, onde Valdis Dombrovskis, vice-presidente da Comissão Europeia, comentou o chumbo do OE2022, durante uma conferência de imprensa na capital belga. “Teremos agora de avaliar a situação com as autoridades portuguesas relativamente ao esboço de plano orçamental para 2022 e decidir como proceder ao certo, no sentido em que precisamos de compreender com as autoridades portuguesas quais são as perspetivas, quão cedo poderá chegar o próximo orçamento”, declarou Dombrovskis, que colocou ainda pontos de interrogação sobre o planeamento orçamental que Portugal entregou em Bruxelas, em meados de outubro. Pela frente estarão, admitiu o vice-presidente, “algumas consultas com as autoridades portuguesas para encontrar uma forma concreta de seguirmos em frente”.
Ainda assim, sobre o Plano de Recuperação e Resiliência, Dombrovskis não deixou nada a temer aos portugueses. “Os Planos de Recuperação e Resiliência têm de coexistir com os desenvolvimentos políticos em cada Estado-membro”, garantiu, antes de realçar que “já estão a ter lugar algumas mudanças governamentais [nos Estados-membros] e outras vão seguir-se”, tranquilizando aqueles que temem uma mudança no regime da ‘bazuca europeia’ para Portugal. “Os desembolsos estão ligados ao cumprimento de objetivos e metas concretos, e esse continua a ser o caso”, concluiu.