Os Açores são um arquipélago formado por nove ilhas. Até aí, ninguém duvida e ninguém interroga. É daquelas verdades universais que não podem ser refutadas. Até porque estão à vista. Contudo, é muito mais difícil defender e escrever sobre aquilo que não se viu ou não se viveu, e a história da descoberta dos Açores já tem seguido caminhos diversos há algum tempo.
Desde cedo que nos habituámos a esta versão da história: “Era uma vez um arquipélago, formado por nove ilhas, descoberto e povoado por portugueses no princípio do século XV”. Agora, a premissa é refutada depois de um grupo de investigadores, liderados pelo ecologista Pedro Raposeiro e publicado na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences”, ter descoberto que os povos nórdicos foram “os primeiros a viver nos Açores”, “reescrevendo a história”.
A CLÁSSICA HISTÓRIA DOS AÇORES Segundo a única empresa nos Açores que interliga a prestação de serviços em conservação e proteção ambiental com a organização de atividades de animação turística, apelidada de Azores Greenmark, na história açoriana, desconhece-se a data precisa em que o arquipélago foi descoberto, contudo, crê-se que São Miguel e Santa Maria “foram as primeiras ilhas a serem reconhecidas, por volta de 1427, pelo navegador luso Diogo de Silves”. Cinco anos depois, lê-se no site, em pleno mês de agosto e no dia da Assunção de Nossa Senhora (15), o navegador Gonçalo Velho Cabral e a sua tripulação desembarcaram na ilha a que deram o nome de Santa Maria como homenagem prestada à Virgem Santa. De forma a impulsionar o povoamento da ilha, João Soares de Albergaria, sobrinho de Gonçalo Velho (primeiro Capitão-Donatário de Santa Maria) trouxe famílias continentais, nomeadamente algarvias, à ilha, “o que registou um grande desenvolvimento da mesma”.
No que toca a São Miguel, este foi povoado, a partir de 1444, por Gonçalo Velho Cabral, que desembarcou os seus povoadores no lugar da Povoação (oriundos de Estremadura, Alto Alentejo, Algarve, França). Estes, por sua vez, e com o passar do tempo, espalharam-se ao longo de toda a zona costeira, “de modo a obter as melhores acessibilidades, melhores condições e facilidades de vida”.
Seguiram-se, então, a Ilha de Jesus Cristo, atualmente chamada de Terceira, que iniciou o seu povoamento por volta de 1450; a ilha Graciosa que, uma vez que se avizinha da ilha Terceira, se acredita que poderá ter sido avistada pela primeira vez em 1450, desconhecendo-se a data do seu povoamento; a ilha de São Jorge, que apesar de ser também se desconhecer a sua data de descoberta e povoamento, sabe-se que em 1439 esta “viu” a sua primeira referência como ilha e que, em 1443, já era habitada; a ilha do Pico, que “assistiu” ao início do seu povoamento por volta do ano de 1460; a ilha do Faial, que foi descoberta na primeira metade do século XV e que recebeu os seus primeiros povoadores, que vieram do norte de Portugal Continental, em 1460 e, por fim, a ilha das Flores e Corvo, descobertas por Diogo Teive e seu filho João Teive, por volta do ano de 1452.
A ligação dos Vikings com os Açores Mas e se, antes dos portugueses, já alguém lá tivesse estado? Um estudo publicado na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences” liderado pelo ecologista Pedro Raposeiro, que recolheu e analisou sedimentos em lagos, fezes de animais, fungos e ainda o ADN de ratos que ainda habitam a ilha, volta a afirmar que “os povos nórdicos foram os primeiros a viver nos Açores”. “Eles vieram da terra do gelo, da neve e do sol da meia-noite, mas ainda assim acabaram em alguns destinos agradáveis”, acreditam os investigadores que descobriram evidências para apoiar a ideia de que os vikings se estabeleceram na costa clemente dos Açores várias centenas de anos antes da chegada dos portugueses em 1427.
Visto que os vikings são geralmente associados ao norte congelado, a “descoberta” é surpreendente. Contudo, “baseia-se em dados científicos sólidos”, defende o grupo de investigadores internacionais que analisou recentemente sedimentos em forma de lagos. De acordo com a revista Science, e outras publicações como o The Guardian, os especialistas começaram a recolher “núcleos cilíndricos de sedimentos de cinco leitos de lagos ao redor do arquipélago como parte de um esforço para detalhar a história climática da região”. O principal objetivo seria encontrar sinais da presença humana, como “pólen de colheitas não nativas ou esporos de fungos que crescem em fezes de gado”, e a verdade é que essa vontade se realizou. No entanto, ficaram surpreendidos ao perceber que os mesmos eram mais antigos do que aquilo que se esperava: datavam do anos 700 a 850 (vários séculos antes da data indicada para a chegada dos portugueses às ilhas). “As nossas reconstruções oferecem provas inequívocas da colonização pré-portuguesa dos Açores”, afirmaram os investigadores liderados por Raposeiro ao jornal britânico. Por volta de 700 a 800 D.C., as condições de vento e clima no hemisfério norte “provavelmente ajudaram os colonos de latitudes mais altas e inibiram os do sul da Europa, tornando mais fácil para as pessoas do norte chegarem aos Açores”, elucidaram.
O investigador e ecologista Raposeiro contou ainda à revista Science que os sedimentos retirados da Lagoa do Peixinho, na Ilha do Pico, têm um “aumento repentino de um composto orgânico denominado 5-beta-estigmastanol, que se encontra nas fezes de ruminantes como vacas e ovelhas”. Para além disso, explicou, o “aumento nas partículas de carvão e uma queda na abundância de pólenes de árvores nativas” mostram que houve humanos no local a queimar árvores para criar gado. Desta forma, a equipa afirma que “havia humanos a habitar no arquipélago 700 anos antes da data que se presumia”.
As conclusões de Raposeiro são também apoiadas pela investigação do biólogo evolucionista Jeremy Searle da Cornell University, que também argumentou que os vikings foram os primeiros a chegar aos Açores, embora o seu trabalho se baseie numa fonte biológica muito diferente: os ratos. Segundo este, os ratos entram sorrateiramente nos navios e são levados até todos os cantos do mundo: “Onde se encontram humanos, encontram-se ratos e pode-se descobrir de onde esses ratos vieram. Assim, há uma ideia de onde esses humanos tiveram seus lares originais”, disse o biólogo ao Observer.
Ao comparar o ADN de ratos açorianos com o de ratos que vivem noutros locais onde estiveram Vikings, como as ilhas britânicas, Searle acredita que “estes eram obviamente viajantes acidentais que foram dispersos pelos vikings através do Atlântico, para a Islândia e Gronelândia e também para os Açores e Madeira”. “Eram todas áreas de influência Viking e a verdade é que os ratos analisados em cada uma dessas áreas carregam a mesma assinatura genética”, elucidou. Em suma, Searle e sua equipa acreditam que localizaram o “rato viking” e, desde então, procuraram sinais da sua presença em vários outros lugares.
Mas há quem não concorde com a tese, tal como é o caso de Simon Connor, geógrafo da Australian National University que estuda a paleoecologia no arquipélago. O geógrafo australiano diz que os dados de ADN de ratos “podem ser enganadores: “Os vikings eram ótimos marinheiros, mas pode ter sido qualquer um”, frisou.
A verdade é que, em outubro, já o Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos – Açores (CIBIO) havia referido que as primeiras evidências de presença humana nas ilhas foram detetadas 700 anos antes da chegada dos portugueses. Contudo, não era referido poderem ter sido povos nórdicos.
Na altura, Pedro Raposeiro sublinhou que a investigação “demonstra a importância de promover estudos multidisciplinares entre as ciências naturais e as ciências humanas” para que exista “uma visão mais ampla do que realmente aconteceu no passado”. Agora, ao que parece, os marinheiros portugueses estavam a seguir os vikings, ou então, os seus ratos.