Idosos mais tempo fechados em casa e maiores índices de sedentarismo, rotinas e programas de atividade física para seniores interrompidos e falta de prevenção. As explicações são fáceis de enumerar por quem segue a área mas os números estão agora à vista: em 2020, o recurso às urgências devido a acidentes domésticos e de lazer aumentou 13% na população com mais de 65 anos, num total de 64 127 episódios nas urgências. As quedas surgem à cabeça: no total, motivaram pela primeira vez mais de 45 mil idas às urgências, representando 89,4% dos acidentes nesta faixa etária com necessidade de cuidados urgentes, um aumento face a 2019.
Os dados foram recolhidos pelo sistema EVITA (Epidemiologia e Vigilância dos Traumatismos e Acidentes) do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) e publicados recentemente. No artigo, os investigadores salientam que o aumento dos acidentes domésticos “reforça a necessidade de aprofundamento do estudo deste problema de saúde pública, sobretudo em contexto pandémico”. Ao i, o INSA assinala que se os acidentes domésticos e de lazer aumentaram em ano de pandemia, a subida foi mais significativa nos idosos: em 2018 e 2019, os acidentes acima dos 65 anos representaram 29% do total em 2020 a proporção subiu para 34%. As mulheres parecem estar em maior risco, tendo representado entre 2018 e 2020 65% destes episódios, tendência que se manteve no ano passado.
Monserrat Conde, investigadora e autora de uma tese de doutoramento sobre a adaptação cultural de programas de prevenção de quedas à realidade dos idosos portugueses, diz que o aumento de lesões em ano de pandemia era expectável e sublinha que a necessidade de aumentar a sensibilização e prevenção, num país no meio de uma “tempestade demográfica”, já era anterior aos confinamentos. Para a professora da Universidade do Algarve e diretora da iniciativa Cochrane Global Ageing, nenhum país foi totalmente eficiente na prevenção dos riscos associados ao confinamento junto da população mais velha, mas em Portugal havia já um défice nesta área. “Alguns países conseguiram organizar-se de forma diferente, aproveitaram melhor os meios de comunicação e mesmo a televisão para promover exercícios. No Reino Unido houve alguns programas para manter a prevenção de quedas no domicílio ou tornar o ambiente de casa mais seguro. Em Portugal as coisas já não estavam muito disseminadas antes. Existem várias iniciativas louváveis em vários pontos do país mas não existe uma estratégia nacional de prevenção de quedas que leve a uma abordagem mais uniforme a nível nacional”, aponta a investigadora, que integra também o Consórcio sobre Métricas e Evidência para o Envelhecimento Saudável da Organização Mundial de Saúde.
Monserrat Conde concluiu a tese de doutoramento “Developing a culturally acceptable lower limb, ankle and foot exercise programme for older adults in the UK and in Portugal”, financiada pela Fundação Para a Ciência e a Tecnologia, precisamente em ano de pandemia. As conclusões, explica, ajudam a enquadrar o fenómeno que há vários anos é considerado um problema de saúde pública crescente em sociedades mais envelhecidas: numa análise qualitativa, procurou perceber as perceções sobre as quedas junto dos idosos portugueses e concluiu que existe por um lado uma necessidade de informação positiva, para contrariar ideias como a de “que estar parado é melhor” quando pode significar precisamente o contrário. Por outro lado, diz ter encontrado uma atitude “fatalista” em relação às quedas e um maior peso das situações em que os idosos consideram que caem de forma inexplicável. “O fatalismo terá um pouco a ver com a nossa cultura, presente em heranças como o fado. As pessoas dizem que caem porque tem de ser, porque estão velhas. Não existe por vezes a perceção do que pode ser prevenido, de que há exercícios que podem ajudar a prevenir as quedas. Por outro lado, quando consideram as quedas inexplicáveis, não conseguem perceber fatores de risco e ter um papel mais ativo na prevenção, o que também pode ter a ver com uma baixa literacia em saúde”.
Fatores de risco A investigadora sublinha que estão identificados na literatura científica mais de 400 fatores de risco para quedas mas entre os principais surge a perda de força nos membros inferiores e aí o sedentarismo acaba por ser um elemento central. “Basta as pessoas estarem mais paradas para se começar a notar uma perda de força nas pernas. Podem também vir mais problemas de equilíbrio, o que aumenta o risco”, diz, sublinhando que muitas vezes os idosos não reportam as suas quedas, até para não preocupar a família, e quando a situação é diagnosticada é porque ocorre uma lesão.
Medicação desadequada ou outras doença de base descompensadas, o que poderá ter acontecido com maior frequência no ano passado, são outros fatores associados a um maior risco de quedas. Por exemplo a toma de ansiolíticos já foi ligada a um maior risco de queda. A isto somam-se os elementos em casa que aumenta o risco de acidentes.
Ao i, a equipa do INSA destaca como fatores de risco problemas de visão, audição, doenças que afetem o equilíbrio e alterações na locomoção e fatores extrínsecos como chão escorregadio, piso irregular ou tapetes soltos. A análise dos fatores em 2020 está a ser concluída e o INSA adianta que as conclusões serão apresentadas no Congresso Europeu de Saúde Pública, que vai ter lugar virtualmente de 10 a 12 de novembro.
Avaliação anual de risco Para Monserrat Conde, além de promover o envelhecimento ativo, é necessário investir no diagnóstico e na prevenção secundária. “Nos cuidados de saúde primários, os médicos de família e os diferentes profissionais têm muito pouco tempo e têm de priorizar o que é mais importante para manter aquela pessoa estável. Muitas vezes não conseguem fazer uma avaliação do risco de queda como seria desejável, o que implicaria uma abordagem mais multidisciplinar também com fisioterapeutas e equipa de enfermagem”, defende, considerando que existe ainda muito espaço para investir nesta área, com ganhos na prevenção de quedas e de outras complicações de saúde. Um dos modelos possíveis de intervenção passaria por avaliações anuais do risco de queda a nível individual na população mais vulnerável, nomeadamente idosos. Medidas que considera que não teriam custos significativos, sobretudo se se tiver presente o impacto das quedas a nível global. Sofrer uma queda grave aumenta o risco de mortalidade no ano seguinte e traduz-se muitas vezes na necessidade de uma cirurgia e maior dependência.
Em Portugal não há estudos conhecidos sobre o impacto financeiro das quedas na população idosa. Nos EUA, o Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças estima um impacto anual de 50 mil milhões de dólares (43 mil milhões de euros) em despesas médicas relacionadas com quedas não fatais de idosos com mais de 65 anos e 754 milhões de dólares em quedas fatais. Em 2020, o número de mortes nos hospitais relacionadas com acidentes domésticos e de lazer de idosos com mais de 65 anos duplicou de 50 para 107 óbitos. Mas estes casos sinalizados ao EVITA estão longe de representar o total de mortes ligados a quedas acidentais anualmente e a própria incidência das quedas pode estar sobre-estimada. Ainda não há dados finais sobre as causas de morte em 2020. Em 2019, segundo dados do INE que o i analisou, as quedas acidentais foram a causa de morte de 865 pessoas em Portugal, 744 com mais de 65 anos.