Faz sempre sol no S. Martinho? Este ano assim será, mas basta recuar a 2019 para encontrar um São Martinho com chuva e frio. A meteorologia explica, pelo menos o que se passa nesta altura do ano – o porquê não é assim tão certo – mas a constatação remonta à própria lenda de São Martinho, Martinho de Tours, que viveu no século IV em França, morrendo a 8 de novembro de 397. “A lenda terá começado em França depois da morte de S. Martinho”, conta ao i o meteorologista Manuel Costa Alves, que aprofundou um pouco desta e de outras histórias do tempo na obra Mudam os ventos, mudam os tempos – O Adagiário Popular Meteorológico, publicada em 2002 pela Gradiva. “Há várias hipóteses para a ideia de verão de S. Martinho. Uma delas tem a ver com o que se viveu no funeral de São Martinho. Morreu distante da cidade Tours, a vários quilómetros, e no transporte do corpo para o funeral na cidade conta-se que chovia muito, torrencialmente. A dada altura, quando o corpo começa a aproximar-se da cidade, deixa de chover e vem um episódio de tempo soalheiro”. Tanto que, terão comentado os peregrinos que acompanhavam o corpo, até as rosas floriram. “Esta é talvez a história menos conhecida, a outra que poderá explicar o mito é a própria lenda de São Martinho que toda a gente conhece. Vai a cavalo, há um pobre à chuva e ao frio, corta metade da sua túnica e o tempo abre”.
Se esta é a lenda, a meteorologia consegue ver o que se passa por estes dias de novembro e que explica o fenómeno de bom tempo. No período de transição entre o verão e o inverno, quando o anticiclone dos Açores se desloca para Norte, há uma união com o Anticiclone da Sibéria, com as altas de pressões combinadas a fazerem de barreira reforçada à frente polar, que traz chuva e frio. “Em sete ou oito em cada dez anos verifica-se este tipo de tempo, que parece ser uma recorrência estival. Só é pena as noites serem tão frias”, explica Manuel Costa Alves. “A interposição do anticiclone dos Açores causa um bloqueio muito forte das frentes que separam o ar polar do ar tropical. Com este bloqueio, criam-se trajetórias de ar pelos Açores (onde habitualmente acontece o inverso e faz mau tempo) e pelo nordeste, para as ilhas britânicas. É este normalmente o percurso que se estabelece e que causa este fenómeno e o bom tempo”, continua o meteorologista. “Quanto às razões mais fundas – mas porque é que o anticiclone nesta altura do ano tem com grande insistência, sete, oito, anos em cada dez, este comportamento? Isso já são razões que a ciência ainda não descodificou por completo”, admite Manuel Costa Alves, rosto e voz conhecida de muitos portugueses. Aí temos que voltar ao Santo? O meteorologista sorri, mas uma coisa parece certa: não existiu sempre verão de S. Martinho. “No século IV pensamos que já existiria mas no período da glaciação não existiria de certeza. Há 15 mil anos, 18 mil anos, o comportamento da atmosfera era outro. Depois houve uma evolução, o clima tornou-se mais quente e é possível que nessa altura em que viveu Martinho de Tours já houvesse verão de S. Martinho”.
Memórias de verões de S. Martinho que escaparam dramaticamente à regra não são assim tantas, mas Manuel Costa Alves sublinha que há que contar com isso. “Não posso precisar os anos em que o santo não quis vir cá, mas empiricamente digo que em dois ou três anos em cada dez verifica-se uma anomalia ao verão de São Martinho”, explica.
Este ano, tempo limpo pela frente. Bruno Café, meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, adianta ao i que o chamado verão de S. Martinho até será prolongado, não havendo previsão de chuva no continente nos próximos sete dias. Sem se fiar muito no mito mas mais no que diz, a cada primeira semana de novembro, a atmosfera, Bruno Café explica que há sempre um período nesta altura do ano em que se verifica este fenómeno associado à interposição dos anticiclones, pode é nem sempre calhar no S. Martinho. Este ano confirma-se e a tendência é de tempo seco em Portugal continental pelo menos na próxima semana, sem chuva à vista, o que mantendo-se por muito tempo pode não ser assim tão boa notícia. “Pode sempre haver alterações, mas para já a tendência é essa. O anticiclone mantém-se em bloqueio e as frentes não evoluem para já sobre Portugal continental”.