Por Felícia Cabrita e João Campos Rodrigues
Chefias militares querem mudanças na seleção dos candidatos às Forças Armadas. Oficialmente ninguém assume, mas são inúmeras as histórias que se contam nos bastidores dos quartéis sobre casos com contornos criminosos envolvendo tropas de elite. No rescaldo do processo Miríade, que desmantelou uma rede criminosa internacional, eclodida no seio dos comandos, a discussão aqueceu.
O fenómeno de infiltração de elementos de gangues nas tropas de elite não é novo. Um ex-comandante do Regimento de Comandos admite que pelo menos de há uma década para cá que se começou a aperceber do fenómeno. «Detetei grupos mais ou menos organizados que se ofereciam para o curso. Eram tipos da margem Sul, com físico para aquilo.
Viemos a descobrir que havia gente nos comandos envolvida em assaltos e tráfico de droga», conta o oficial. «Hoje temos pessoas ligadas a gangues na Amadora que se candidatam aos comandos já com o fito de aproveitar as estruturas militares para aí fazerem o seu tirocínio e subirem na hierarquia dos gangues», reforça. «São artistas que chegam lá já com o esquema montado».
Uma fonte próxima do chefe do Estado-Maior do Exército (CEMA) concorda com o diagnóstico. «O recrutamento é um grande problema para as forças armadas e para o exército, em particular para os comandos, porque os candidatos são cada vez mais citadinos e nas franjas de bairros problemáticos», continua. «Já chegam com interesses inconfessáveis, para não dizer obscuros».
É muito desse problema no recrutamento que surgem sucessivos escândalos, asseguram, como o caso dos três comandos presos por agressão e roubo a um agente da PSP, ainda o ano passado, bem como o assalto aos Paióis Nacionais de Tancos, em 2017.
Ainda que haja alguns controlos bem apertados no Exército, ressalva a fonte próxima do CEMA, não chegam. «Os contratados são avaliados todos os anos. E aqueles que têm avaliações más, punições, raramente veem os seus contratos renovados. Temos uma atitude muito ativa naquilo que são evidências», salienta. «Naquilo que é obscuro não conseguimos».
De facto, o processo Miríade demonstrou bem o risco de infiltração de elementos do crime organizado entre militares, ganhando proficiência, contactos, acesso a armamento, bem como um caminho quase direto para as forças de segurança. Para as altas patentes contactadas, a preocupação era clara e unânime. É que qualquer candidato a militar, em particular nas forças de elite, mais apetecíveis, não é bloqueado a não ser que não tenha cadastro limpo, mesmo que seja arguido em inúmeros processos judiciais.
Contactando os canais oficiais dos vários ramos das Forças Armadas, o padrão foi evitar essa questão espinhosa. As respostas foram extensas, mas sempre saltando à pergunta sobre se ser alvo de investigações policiais era fator desqualificador para os recrutas. Ou se sequer se as Forças Armadas eram informadas disso no processo de seleção.
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