Por Henrique Pinto de Mesquita
Uma das coisas que me deixa mais doido são aquelas pessoas que procuram ter conversas sérias em momentos cabalmente desadequados. O género de pessoa que, às 3 da manhã, te encontra vestido de girafa assassina numa discoteca indiana e te interrompe o break dance porque quer discutir contigo a eutanásia ou o PIB do Butão. Não. Só não. Agora é hora de pirueta. Aqui, a gente, conversando, apenas discutiria que escolhas diferentes tomariam os cães e os gatos caso entrassem numa máquina do tempo.
Também me irritam solenemente pessoas que gostam de ter conversas sérias no geral. Todavia, forço-me a tolerá-las porque entendo que o mundo não é um circo fantástico – para muita tristeza minha (e do mundo). Não era tão mais giro se fosse? A loucura que seria estarmos a comprar o abatanado matinal e estar um tigre da Malásia sentado na mesa ao lado a ler o horóscopo para o seu amigo elefante: «Está aqui a dizer que este mês é bom para acalmar a caça aos bovinos e apostar na dos caprinos. Top».
Divirto-me muito quando me divirto. O Nadal joga ténis. O Ronaldo joga futebol. O Pessoa escrevia poesia. Eu divirto-me. É o meu dom (chupa Cioran!). A Agustina dizia que só tinha por amigos aqueles que possuíssem sentido de humor. «Não importa serem ricos, pobres, doutos ou ignorantes. Interessa o espírito fantástico, o amor da pirueta, e o espírito diligente e capaz de riso». Isto é o que vale, o resto é treta.
Talvez, por tanto valorizar a alegria, considero a seriedade uma das coisas mais parolas do mundo. Não há saco para pessoas que se levam a sério. «Ó Sôtor, o sôtor há de saber que descendo ali da Casa da Flauta Pimpona. Fui presidente desta Câmara muitos anos e ainda pertenci ao Governo do Cavaco». Quero lá saber! Não me chateie com conversas sérias! Este tipo às tantas acha-se tão relevante que descasca camarão de faca e garfo.
Mas há pior.
O único espécime pior que o tipo ‘apenas sério’ é o ‘tipo sério e ambicioso’. Ser-se sério e ambicioso, ambiciosamente sério ou seriamente ambicioso é o nível primeiro da parolice espiritual. Não falo, com certeza, da ambição de subir um degrau na empresa, vingar a sua arte ou ter sete filhos. Nada disso: é a ambição de querer ‘ser-se alguém’, ou, pior… querer ‘ser-se rico’. «Porque eu um dia vou ser primeiro-ministro, e vou salvar Portugal, e as políticas públicas Yaremchuck, e imenso amor à causa pública, e porcos voadores». Claro que poderia não ter mal querer ser-se primeiro-ministro se a lógica fosse de genuína vontade de servir o povo.
Mas não é – e eis que mordemos o problema: estas ambições pequeno-burguesas são movidas por puro vaidosismo, desvirtuando, assim, a sua razão. Cunhal, Amaro da Costa ou Freitas do Amaral já lá vão: poucos são aqueles que almejam o poder por genuína vontade de alavancar o povo. Almejam-no, sim, por masturbação do ego e interesses pessoais (com exceções a Jerónimo e, talvez, Rio e Cotrim).
Também aqueles que desejam um dia ‘serem ricos’ e que, por ganância – e não necessidade –, colocam o dinheiro no centro das suas vidas são corpo sem alma: «Um dia vou ter tanto dinheiro que vou ter plantações de cacau na Etiópia» – por que haveria alguém de desejar isso? Nascemos para estarmos descalços na terra e tirar gozo disso. Ou para ouvir música. Viver em torno da séria frivolidade de ‘querer ser rico’ é tão mau que deveria queimar o direito a três reencarnações de uma assentada só.
Enfim, seriedade. Seriedade e ambição. Duas palavras. Unidas ou avulsas, fujam sempre que puderem. O mais rapidamente possível: a ver se, por um lado, não congelam de tédio e, por outro, não apanham lepra espiritual.