Saído de um recolhimento opinativo, o primeiro dos ministros explicou tudo.
O acordo parlamentar acabou em desacordo parlamentar. Culpa deles, dos outros, claro.
Nada de grave, acrescentaria.
O eleitorado vai poder escolher entre um governo caminhando no fio da navalha e outro de um só partido.
Sendo certo que, o ideal seria ver atribuída ao partido socialista a possibilidade de governar sozinho em maioria.
Para isso acontecer o que será preciso?
Que os partidos à esquerda sofram uma punição eleitoral.
Que os partidos à direita subam e o centro desça.
Estes são os objetivos últimos.
O perigo vem da direita, diz.
A esquerda não foi reconhecida, sugere.
O centro que para nada é pretendido deve ficar isolado e frágil, deseja.
Este argumentário subliminar pretende moldar o futuro.
Ou voltar a ensaiar o desenho.
Ou explicar volitivamente o inexplicável.
Sente-se, porém, que um qualquer elemento fundamental de compreensão se quebrou.
António Costa foi primeiro-ministro porque afirmou ser possível governar de uma certa maneira, de arrastar consigo os outros, de os convencer a abdicar de uma parte do seu programa para evitar um mal maior, de ser socialista na essência e esquerdista no gesto.
Tanta porta fechada para abrir, tanta fechadura…
Ao tentar abrir mais uma dessas portas ficou com a maçaneta na mão. Logo ele que tanto quer às maçanetas…
Ao longo do percurso, não sendo grilhetas, eram todavia pesos que transportava às suas costas. Por um estranho sortilégio escorregaram e deixaram-se, tanto como ele os deixou, cair.
Portanto, aquele equilíbrio esperado, a anunciada estabilidade instável acabou.
E, neste momento, é superabundante saber como tudo se passou e quem teve a culpa ou descobrir quem quis não querendo ou não quis querendo.
A construção desabou.
E, quer queiram quer não, o mal está feito.
As explicações inteligentes, ou os jogos de cintura, ou o melífluo palavreado são o vento a passar nos ouvidos.
É altura de recordar Alberto Caeiro e a nudez do seu pensamento:
«O que nós vemos das coisas são as coisas».
Sente-se que o grande timoneiro se revela vulnerável, que percebe os sinais, que já está por tudo.
Ele, logo ele, que nasceu (como disse) à esquerda e da esquerda viveu, já descobre as virtualidades do diálogo em todas as direções.
Deixou de se mostrar esquisito.
A esquerda denuncia o seu golpe.
Eleições eram o desejo secreto que provocou a intransigência.
Sabem que quanto maior for o resultado socialista, menos têm de poder de influência e de futuro.
A direita enreda-se.
O centro divide-se entre a clareza do caminho e a manutenção do tudo possível.
Costa gosta e ajuda desinteressadamente.
Apesar da glória à bazuca, o nível da despesa, a exaustão fiscal, a recuperação inevitável da exigência europeia, levam alguns a recordar a fuga para a tentação italiana. Isso mesmo, um governo de iniciativa presidencial.
Num último esforço anuncia a vítima, se derrotado, o rasgar das vestes. Vai-se embora.