Os países europeus olham ansiosamente para os seus vizinhos, em particular a Áustria, que voltou a impor um estrito confinamento, ou a Alemanha, que para lá caminha a passos largos, com as infeções a disparar e as urgências cheias de gente por vacinar. Vai ser um inverno muito complicado para a Europa, sobretudo no centro e leste, entre tragédias e restrições – a covid-19 poderá causar até 700 mil mortes no continente até à primavera, alertou a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Países como Portugal, com taxas de vacinação muito elevadas, não têm grandes motivos para temer um confinamento tão duro como na Áustria – ainda que o surto na Dinamarca, que tem uma taxa de vacinação acima dos 75%, mostre a importância da cautela. Mas esse não é o único cenário desafiante. Com picos de covid-19 a surgir dentro do Espaço Schengen, fica em questão a liberdade para viajar que os vacinados dispunham entre países europeus.
Se o Governo português vai restringir ou não a entrada de viajantes vindos de países como a Alemanha, que bate os 64 mil casos diários registados a semana passada, praticamente o dobro do seu pico anterior, em abril, só deveremos saber nos próximos dias – António Costa está em São Bento a ouvir recomendações dos partidos quanto às medidas a adotar face a pandemia, reunindo o seu conselho de ministros na quinta-feira (ver pág. 4).
O facto é que o Executivo de Costa, que governa um país muito dependente economicamente do turismo, nunca tendeu a ser particularmente duro quanto às restrições de viagens. Por acaso, por volta da altura em que a Alemanha teve o seu pico de abril, viajantes vindos do país ficaram impedidos de entrar em Portugal – simplesmente porque bateu com a semana de Páscoa, quando se temia um surto terrível devido aos encontros familiares, tendo sido proibidas quaisquer viagens de turismo para Portugal.
Até agora, Lisboa tem tendido a alinhar-se com as orientações de Bruxelas, muito receosa quanto ao impacto de restrições de viagens – mesmo que extraordinárias devido à covid-19 – na coesão europeia.
“Temos de evitar fragmentação”, declarou a comissária europeia para a Saúde, Stella Kyriakides, perante o Parlamento Europeu, na segunda-feira. Para tentar evitar restrições de viagens, a aposta é em atualizar e harmonizar as regras quanto aos certificados digitais – mas, caso os surtos no continente europeus se agravem, poderá mesmo ser necessário recomendar restrições até para pessoas vacinadas, admitiram diplomatas europeus à Bloomberg.
Seja como for, a instabilidade pode levar muitos a repensar as suas férias de natal, ferindo a industria turística, que já sofre quebras há anos.
“Parece que a Europa vai ficar muito nervosa outra vez, na pior altura do ano, quando as pessoas estão a fazer os seus planos para viagens de natal”, queixou-se o diretor-executivo da Ryanair, Michael O’Leary, esta terça-feira. “Creio que é inevitável que vamos minar a confiança”, lamentou o CEO, citado pelo Guardian, temendo que isso afete até o verão, dado que muitos viajantes chegam a marcar as suas férias grandes logo por volta do Natal e do Ano Novo.
Aliás, mesmo que dentro da União Europeia não voltemos a ver grandes restrições às viagens, os países europeus, que voltaram a ser devastados pela pandemia, sobretudo no leste e centro, arriscam deparar-se outra vez com portas fechadas.
Por um lado, os EUA tinham voltado a permitir viajantes vindos da Europa – “epicentro global da covid-19”, alertava a manchete da CNN – ainda este mês. Por outro, o Departamento de Estado e os Centros para Controlo de Doenças e Prevenção (CDC) já recomendaram aos americanos, vacinados ou não, que não viagem para Alemanha e Dinamarca, rotulando-os como destinos de risco “covid-19 muito elevado”.