Por Carlos Pereira, economista e vice-presidente do grupo parlamentar do PS
Na breve discussão que ocorreu sobre a credibilidade do cenário macroeconómico do OE2022 faltou o dado que emergiu do chumbo daquele orçamento: a crise política que entretanto se instalou em Portugal.
Se é verdade que o preço do petróleo, a escassez de mão de obra ou o surgimento de novas variantes da covid podem provocar alterações profundas nas previsões macroeconómicas do Governo, em particular do crescimento do PIB ou as previsões para as contas públicas, não é razoável considerar que o chumbo do orçamento e as eleições antecipadas serão absolutamente neutras para as perspetivas da economia do país.
É claro que há que fazer um esforço para sossegar os investidores internacionais, mas pior queser pessimista é não ser realista.
Uma crise da natureza que estamos a assistir tem impacto negativo na recuperação do país. É quase uma conclusão la palisse, partilhada por grande parte dos portugueses. Em economia a teoria das expectativas determina que a motivação de um indivíduo baseia-se na antecipação que ele faz de eventos futuros.
Uma crise induz incerteza e medo pelo que (ceteris paribus) enquanto o país não voltar à normalidade haverá sempre consequências na dimensão e robustez da recuperação económica.
Só quem não tem ideia do que é a gestão em duodécimos é que pode afirmar que tudo fica na mesma.
De resto, com o OE2022 foram geradas boas expectativas que acabaram por se gorar, incutindo um arrefecimento natural nas intenções de investimento ou mesmo no consumo: aumento do salário mínimo, aumento de pensões, baixa de impostos, aumento de prestações sociais, aumento do investimento público, estímulos fiscais ao investimento privado. Mas mais. Há matérias que exigiam foco e intensidade como a execução do PRR ou até do PT2020 que inevitavelmente, mesmo com esforço genuíno dos responsáveis, terão o seu ritmo seriamente afetado.
Neste contexto, compreendo pouco a atitude dos partidos que não souberam estar à altura das responsabilidades e das expectativas dos portugueses. Pelo que se ouve e se lê por aí, percebe-se que havia uma espécie de vontade reprimida de se libertar da assunção de compromissos. Um desejo oculto, baseado em factos partidários e de contabilidade eleitoral, de fugir do caminho trilhado cujos resultados são inegáveis e factuais.
Observando os seis anos passados, o tom principal desses partidos para com o Governo era quase sempre de exigências com mais salários, mais investimento público, mais apoio aos mais desfavorecidos, mais investimento no serviço nacional de saúde. Estávamos de acordo mas não coincidimos no ritmo.
Nunca tínhamos coincidido e era por isso que havia ainda caminho a fazer e um legado mais próspero a entregar aos portugueses, beneficiando de condições extraordinárias para combater a crise através de um PRR inédito e robusto. O PRR é também um produto da agremiação de vontades, partilhadas ao longo destes anos, em que recusamos na Europa a instalação da austeridade em contrapartida de estabelecimento de condições para políticas anticíclicas que permitissem que o crescimento económico favoreça o combate à pobreza e às desigualdades sem colocar em causa as contas públicas.
Chegados aqui valerá a pena deixar tudo em aberto para o futuro, sem comprometer aspetos essenciais dos nossos princípios ou dos acordos internacionais que o nosso país foi estabelecendo. Contudo, o PS deve se esforçar por compreender o que quer o povo de Portugal, quais as suas expectativas e, independentemente do passado recente, redesenhar a solução que o país precisa devolvendo estabilidade e segurança. Portugal não tem condições para reeditar as políticas ‘troikistas’ anti-investimento público e contrárias aos méritos de um estado social atento, sem ser paternalista.
As responsabilidades são de todos e não passa apenas pelo PS evitar a repetição de uma história triste!