Um dia depois de o Presidente da República ter devolvido à Assembleia da República, sem promulgação, o decreto que diz respeito à morte medicamente assistida, que integra a eutanásia e o suicídio medicamente assistido, a bancada do PS deixou claro que considera “prudente e aconselhável” responder às dúvidas de Marcelo Rebelo de Sousa. No entanto, o i sabe que a elaboração do programa eleitoral ainda não está terminada, pelo que ainda não é possível determinar se abordará o tema.
Em declarações aos jornalistas no Parlamento, o vice-presidente da bancada Pedro Delgado Alves declarou que encara a mensagem do Presidente como “uma oportunidade para melhorar alguns dos conceitos” do diploma vetado na segunda-feira, adiantando que terão sido identificadas “algumas discrepâncias ao longo do diploma”.
Assumindo que em causa se encontra “uma matéria sensível”, o deputado salientou que urge que a lei, se for aprovada e promulgada, deve ser “absolutamente clara nos conceitos que utiliza”, na medida em que esta prevê implicações penais.
Nas “vicissitudes do trabalho parlamentar, terão escapado duas ou três referências em que teria sido preferível usar em todo o diploma exatamente a mesma expressão”, confessou Delgado Alves, assegurando que, na sua ótica, no início da próxima legislatura – tendo em conta que o Regimento da Assembleia da República determina que a reapreciação de um veto só pode ocorrer 15 dias depois da sua devolução e o Parlamento vai ser dissolvido em breve, esta matéria será “uma das primeiras missões”, rematando que “um processo legislativo tão rico e claro deve produzir um resultado que seja isento de dúvidas”.
“Doença fatal”, “incurável” ou “grave”? Também ontem, assumindo um posicionamento distinto, a deputada socialista Isabel Moreira, que esteve envolvida na elaboração do diploma, disse que o Presidente “utilizou pretextos” para “fazer aquilo que era a sua vontade”. As dúvidas do Presidente, considera, poderiam ter sido esclarecidas pelo Tribunal Constitucional. “Aquilo que seria mais consentâneo com os poderes presidenciais era, tendo o Presidente este tipo de dúvidas, enviar o diploma para o Tribunal Constitucional, uma vez que o Presidente da República deve funcionar como Presidente da República e não como constitucionalista”, declarou.
“Discordo daquilo que foi o entendimento do Presidente da República. O Presidente, aliás, foca-se numa versão de conceitos que precisamente foram buscados na lei de bases de cuidados paliativos e na lei espanhola que são exatamente recomendados pelo próprio acórdão do Tribunal Constitucional” de março de 2021, adicionou a deputada, referindo-se à nota publicada no site da Presidência, em que o líder político indicou que o decreto deixou de considerar exigível a existência de “doença fatal” para ser permitida a morte medicamente assistida e que alargou essa possibilidade à existência de “doença incurável, mesmo se não fatal, e, noutra [norma] a ‘doença grave’”, pedindo que fique bem elucidado se é exigível “doença fatal”, “incurável” ou “grave” para se poder aceder à morte medicamente assistida.
Marcelo apela aos deputados para que, caso considerem que deixa “de ser exigível a ‘doença fatal’”, reflitam acerca da “mudança considerável de ponderação dos valores da vida e da livre autodeterminação, no contexto da sociedade portuguesa”, até porque existe um intervalo de nove meses entre a primeira – vetada a 15 de março – e a segunda versão do diploma.
Já há dois anos o assunto não reuniu consenso no seio do partido e não consta no documento “Fazer Ainda Mais e Melhor”, denominação do programa eleitoral do PS para as eleições legislativas de 2019. À época, o BE o PAN e o Livre foram os únicos que propuseram medidas relacionadas com a despenalização da eutanásia.
No capítulo “Direitos Fortes Contra o Conservadorismo e o Preconceito”, o programa eleitoral do BE afirmava: “O Bloco assume o compromisso de apresentar na próxima legislatura uma proposta de despenalização da morte assistida nos mesmos termos da que apresentou em 2018”.
No texto do PAN, no capítulo “Prevenção da Doença e Promoção da Saúde”, estava redigido: “Despenalizar a morte medicamente assistida, por decisão consciente e reiterada da pessoa, com lesão definitiva ou doença incurável e irreversível e que se encontra em sofrimento duradouro e insuportável”.
Naquilo que diz respeito ao Livre, no capítulo da Saúde, página 20, podia ler-se: “Dignificar o fim de vida e possibilitar uma morte digna, através da despenalização e legislação da morte assistida, assegurando a disponibilização de apoio médico e psicológico especializados”.