Na segunda-feira à noite o claustro do Mosteiro dos Jerónimos foi palco de uma festa de arromba. Esteve lá meio mundo. Há pessoas que gostam de aparecer, de ser vistas, e não perdem estes acontecimentos mundanos. Esperam ansiosamente por um convite para lá ir, que constitui a prova de que são ‘importantes’.
A festa destinava-se ao lançamento da CNN Portugal – um canal de televisão que substituía a TVI 24. Entrevistados em direto pela TVI, os convidados disseram naturais banalidades. Enalteceram a credibilidade da CNN, a qualidade dos comentadores da CNN, a força da CNN, a mais-valia que a CNN traz ao mercado televisivo português.
Não houve uma única voz que tivesse a ousadia de levantar dúvidas. O que se compreende: não ficava bem a um convidado ser desmancha-prazeres e questionar o anfitrião.
Mas a instalação da CNN em Portugal levanta interrogações a vários níveis.
Em primeiro lugar, a CNN não é tão isenta como se faz pensar. Nos Estados Unidos, a estação tornou-se uma espécie de porta-voz do Partido Democrático. A sua informação durante o trumpismo foi sempre convenientemente orientada. Os seus comentadores eram declaradamente afetos aos democratas e hostis em relação a Donald Trump.
Em segundo lugar, a CNN tornou-se a nível mundial uma correia de transmissão do pensamento politicamente correto. O contraditório não é a sua marca. É o instrumento de uma ideologia planetária, que constitui nos dias de hoje uma das maiores ameaças à liberdade.
Finalmente, é mais um instrumento da colonização do país pela cultura yankee.
Até aos anos sessenta, a cultura francesa era claramente dominante em Portugal. Nos liceus ensinava-se o francês desde o 1º ciclo, enquanto o inglês só começava a ser ensinado no 2º ciclo. Mas a partir de 1960 – e de uma forma quase abrupta – tudo se alterou.
O cinema americano impôs-se e expulsou das salas o grande cinema italiano, o cinema francês, mesmo o cinema espanhol e outras pequenas cinematografias europeias.
Na música, a canção de língua inglesa – com origem no Reino Unido ou nos EUA – tomou conta das antenas das rádios. Com grupos como os Beatles ou os Rolling Stones, e cantores como Bob Dylan ou Cliff Richard, seduziu as novas gerações e varreu rapidamente do mapa a grande música francesa, a música italiana, a música espanhola.
Nos liceus, nas universidades, o inglês substituiu o francês. E hoje, em muitas faculdades, já são dadas aulas em inglês. E em algumas grandes empresas a língua inglesa foi adotada como ‘língua oficial’.
Ora, neste quadro, a instalação em Portugal da CNN é mais um passo na colonização de que temos vindo a ser objeto.
Até aqui, bem ou mal, sempre tivemos as nossas marcas no mercado da televisão: a RTP, a SIC, a TVI, a CMTV… Foram estações criadas por portugueses, com investimento maioritariamente português, com uma lógica portuguesa.
É verdade que a TVI já teve a Prisa espanhola como acionista maioritária – mas esta entrou com o comboio em andamento, com a estrutura montada, não foi ela que criou o canal.
Com a CNN, o caso é diferente.
É a primeira estação estrangeira a instalar-se com a sua marca no mercado português – como se instalaram antes, no ramo da restauração, a McDonald’s ou a Pizza Hut.
Nestas situações, o lay out dos estabelecimentos é definido pela marca, a logística é montada pela marca, as fardas dos empregados são desenhadas pela marca, as listas são elaboradas pela marca. E com a CNN Portugal acontecerá certamente o mesmo. A organização, a estrutura hierárquica, os cenários, a lógica da informação e da programação serão orientados desde fora. Os portugueses serão meros executores de diretrizes emanadas do estrangeiro.
A CNN Portugal será pois mais um instrumento da colonização do país pela cultura americana. E um instrumento poderoso, pois a televisão formata muito as opiniões.
Ao contrário do que se possa pensar, a CNN Portugal não será um canal como outro qualquer.
Ele insere-se numa lógica global – que, como todas as lógicas globais, é inimiga da diversidade. Um dia, a televisão em Portugal será dominada por grandes marcas de informação mundiais, com as quais as nossas estações não terão possibilidade de competir.
A CNN é uma espécie de vírus – que, de repente, chegou a Portugal e tende a impor a sua cultura, os seus princípios, num fenómeno de padronização da informação a nível planetário.
Isto é só um começo. Como sucede com a globalização, a tendência será para a institucionalização, no limite, de um pensamento único.