Uma variante aparentemente mais transmissível e que na África austral – com menor cobertura vacinal mas também população mais jovem – está a fazer disparar os internamentos, a confirmação de que em vários países europeus já estará a circular na comunidade, o período de festas à porta e, por cá, dois feriados que perturbam o reporte normal dos laboratórios. São vários os motivos de incerteza em torno da evolução da pandemia nas próximas semanas, depois de no ano passado também ter havido oscilações na testagem e reporte de sintomas na altura de dezembro e período de festas, em que as infeções pareceram diminuir antes de dispararem em janeiro. Ao que o Nascer do SOL apurou, há no entanto uma nova ferramenta a ser ultimada num trabalho conjunto entre a rede de laboratórios Unilabs e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, que se espera poder vir a permitir acompanhar com maior antecipação o aumento de casos da nova variante nos diferentes pontos do país. No Reino Unido, é o que está já a ser usado para definir quem deve ter ou não regras mais apertadas de isolamento nesta fase, para tentar desacelerar um eventual espalhamento abrupto da Omicron como se vive na África do Sul.
Em causa está uma falha num dos genes da nova variante, o gene S, que já tinha ocorrido por exemplo na variante Alpha, e que pode ser detetada nos testes PCR. Foi com esse elemento que na África do Sul, e em especial em Gauteng, a viver uma subida de infeções sem paralelo desde o início da pandemia, se estimou que a Omicron represente já mais de 80% dos casos. Também no Reino Unido, pela mesma via e com base nos resultados de teste PCR, foi estimado que represente agora perto de 0,5% dos casos no país.
Em Portugal, apurou o SOL, foram detetados alguns casos suspeitos com esta falha, ainda de reduzida expressão, mas terão de ser confirmados geneticamente na sequenciação feita pelo Instituto Ricardo Jorge para se confirmar a correspondência entre a falha do gene S e a Omicron, uma vez que já foram detetadas nos últimos meses subvariantes da delta de reduzida circulação também com esta característica.
A validação da técnica, já sugerida pela Organização Mundial de Saúde para países onde a variante delta é dominante, como é o caso de Portugal, é esperada nos próximos dias, quando chegarem os resultados genéticos das amostras sinalizadas pela Unilabs com esta característica. «Se for validado, passa a haver uma estimativa em tempo real de por onde a variante anda», explicou ao Nascer do SOL fonte próxima do processo.
Reino Unido opta por avisar
No Reino Unido, onde esta técnica já está a ser usada, as normas foram alteradas esta semana para que uma pessoa quando faz um teste PCR e tem um resultado positivo em que é identificada esta característica é logo notificado de que é um caso suspeito de Omicron. Nestas situações, as autoridades definiram que a pessoa deve ficar em isolamento e todos os contactos próximos devem auto-isolar por dez dias, mesmo que estejam vacinado ou tenham menos de 18 anos, pessoas até aqui excluídas desta regra. Não será preciso esperar pela confirmação genética do caso, explicava esta semana a BBC.
Em Portugal, ainda não foram estabelecidas regras específicas para a vigilância de casos Omicron e os 19 casos confirmados até ao momento têm tido regras mais apertadas de isolamento de todos os contactos por 14 dias determinadas pelas autoridades de saúde locais. Uma situação que esta semana motivou o fecho inesperado do serviço de pediatria do Hospital Garcia de Orta, onde trabalha um médico do Belenenses SAD, onde foram confirmados os primeiros casos da variante no país associados ao regresso de um jogador de África do Sul a 18 de novembro. Uma medida que a ministra da Saúde justificou ontem com ter-se tratado de uma situação nova e que o hospital, que seguiu as orientações, defendeu também ao i durante a semana, argumentando que não podia correr o risco de ter mais casos.
Dominante dentro de um mês
As projeções a nível europeu, tendo por base vários cenários sobre o que poderá ser a transmissibilidade acrescida da nova variante – ligada a sintomas maioritariamente ligeiros mas que, aumentando muito a circulação do vírus, torna também maior o universo da minoria de casos potencialmente graves – admitem que a Omicron pode tornar-se dominante dentro de um mês na Europa no cenário mais curto ou no início de março no mais lento. A Organização Mundial de Saúde espera dar mais respostas nos próximos dias, indicou esta semana Maria van Kerkhove. A variante já foi detetada em 38 países e na Europa há indícios de circulação comunitária do vírus, ou seja sem historial de viagem para os países onde foi detetada em África, na Bélgica, Alemanha, Espanha e Reino Unido, revelou ontem o Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças. Também esta sexta-feira, numa nova conferência de imprensa, Soumya Swaminathan, dirigente científica da Organização Mundial de Saúde, disse que não há razão para pânico mas para os países se preparem e serem prudentes. Durante a semana, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, ouvido pelo i, explicava que algumas informações que têm chegado da África do Sul são aparentemente contraditórias, como a médica que viu alguns dos primeiros casos em Gauteng e os descreveu como muito ligeiros e o intensivista do Soweto que alertou para o aumento de jovens em cuidados intensivos. Em ambos os casos, notou Carmo Gomes, parece haver proteção conferida pelas vacinas, que na África do Sul só chegaram a um terço da população. «Temos de esperar para perceber o que acontece numa Europa muito mais vacinada mas também mais envelhecida», resumiu.
Em Gauteng, uma das observações é o aumento dos internamentos de crianças pequenas, até aos nove anos, que passaram de 5% do total no fim de setembro para 13% agora. A responsável do Instituto Nacional de Doenças Infecciosas explicou que pode haver dois motivos: as crianças não estão vacinadas e têm sistemas imunitários mais imaturos, por isso estão em maior risco, por outro lado pode também estar a haver mais internamentos por precaução perante a nova variante. O que contrasta com a realidade em Portugal é o detalhe da informação publicada pelas autoridades de saúde sul-africanas, com uma análise ao dia das admissões e altas nos hospitais por covid-19, com informação sobre faixa etária.
Diagnósticos abrandam mas positividade sobe
Para já, os dados publicados nos últimos dias pela DGS, que o SOL analisou, mostram um abrandamento nos diagnósticos: nos últimos sete dias subiram 10% face aos sete dias anteriores, depois de nas últimas semanas ter havido aumentos na casa dos 30% e 40%. A nível nacional, Algarve e Centro continuam a registar as incidências mais elevadas. Já o grupo etário em que as infeções estão com incidência mais elevada, sabe o SOL, continua a ser o das crianças até aos nove anos, tendo subido também nos mais velhos, o que leva ao aumento da mortalidade. Ontem o país voltou a registar mais de 20 mortes em 24 horas associadas à covid-19. Outro sinal de alerta para os peritos que monitorizam a epidemia, apesar do aumento da testagem, é o aumento da taxa de positividade, acima dos 4% de positivos definidos como linha vermelha.