Por Luis Filipe Menezes
Ex-presidente do PSD
1.Sempre fui genuinamente independente em décadas de militância. Sempre pensei e decidi pela minha cabeça.
Assim, nesta eleição interna tinha que escolher, como sempre o fiz, entre os dois protagonistas que mais contribuíram, injustamente, para a minha primeira derrota eleitoral em 2013. Talvez para o ponto final da minha vida pública ativa.
Rio porque colocou o aparelho da Câmara do Porto, um ano, em campanha por Rui Moreira, tendo ele próprio proferido afirmações a meu respeito, lastimáveis, incompatíveis com uma militância partidária, de difícil perdão. Os mesmos Rui Rio e o mesmo Rui Moreira que hoje dizem um do outro o que Deus não diz do Diabo!
Paulo Rangel, durante o mesmo período de tempo, 2012/13, escreveu um ‘dicionário’ de artigos a defender a inconstitucionalidade da minha candidatura, ao mesmo tempo que era o jurista de referência com contrato com a Câmara do Porto. Duas posições legítimas mas de compatibilidade ética duvidosa.
Rangel fez essa campanha de leitura constitucional contrariando a opinião dos ‘pais da lei’, Marques Guedes e Marques Mendes. Ainda o fez para contestar o acórdão final e tardio do Tribunal Constitucional. Foi até essa contestação que o Bloco de Esquerda usou para recorrer da decisão do próprio Tribunal!
Ora, eu tinha boas razões para não me identificar mais com os caminhos trilhados por ambos. Não foi o que o fiz. Porque coloco sempre o país à frente de caprichos pessoais, porque ainda acredito na importância do PSD para a nossa democracia e porque nunca fui para ‘ódios eternos’.
Por isso ajudei a ‘salvar’ Rio de uma queda certa, prematura e injustificada em janeiro de 2019, por isso estive com Rio nas campanhas das europeias de 2019 e nas legislativas de 2020. Por isso apoiei várias campanhas autárquicas.
Por isso, foi com normalidade que não tive muitas hesitações em acreditar que, quando do seu arranque em setembro para a campanha interna, Rangel poderia ser uma nova esperança para um partido que não descolava nas sondagens, apesar da queda vertical das prestações de António Costa e do seu Governo.
No entanto, Rio passou por este aperto, desnecessariamente, apesar de ter passado bem o obstáculo das autárquicas. Porque continuou numa esteira de desunião interna, optando sempre por não passar afeto aos seus militantes, dirigentes e até aos colaboradores mais próximos.
Foi essa atitude que fez com que muitas estruturas e colaboradores o abandonassem neste combate. Não foi somente por oportunismo e carreirismo, como se pretende fazer passar.
2. Após dois anos de apoio condescendente, de disponibilização para ajudar o partido, de presença em várias campanhas autárquicas, Rui Rio nunca foi minimamente amável e grato com o único ex-líder, o mais improvável, que lhe foi dando uma ajuda. E isso para mim, é sabido, não significa mordomias, mas tão somente civilidade.
A gota de água do meu novo descontentamento foi a forma como foi tratado o assunto da candidatura de António Oliveira em Gaia e a forma como foi catapultado para recandidato à autarquia o maior expoente de falta de categoria, de competência e de caráter, que existe no PSD. Isso com a conivência de alguns membros da CPN e do Secretariado Nacional.
O presidente da Comissão Concelhia, então diretor do Povo Livre, foi preferido por razões que nada têm a ver com a imagem de seriedade e convicções que são imagens de marca do líder. Foi-o porque apoiava Rio e a seguir haveria que enfrentar eleições internas! Foi esse o único motivo substantivo. Espero que a cambalhota obscena que o indivíduo agora mais uma vez deu, repudiando Rui Rio, faça com que ele aprenda a lição e, neste caso, seja, justamente, vingativo.
Fui então chamado a concordar e a apoiar a candidatura de Oliveira e depois fui totalmente abandonado no meio da praça. Sem uma palavra. Graças à falta de tudo evidenciada por alguns colaboradores do líder e pela sua própria omissão.
Foi essa a gota de água que me empurrou para se sensível a uma alternativa de liderança. Foi pois sem azedume, nem espírito de vingança, que aplaudi, e tive intervenções nesse sentido, o aparecimento de uma alternativa que parecia constituir novidade e uma nova esperança.
Não sabia se ela seria Rangel, Pinto Luz ou Moreira da Silva. Parecia-me que qualquer delas seria melhor solução para um partido que teimava em não fazer oposição e para um líder que não se impunha no partido e nas repetidas sondagens publicadas.
3. Fruto deste enquadramento, contudo, espantou-me que Rio ficasse isolado, duas vezes, no seu próprio Conselho Nacional. A primeira vez que tal sucedeu a um Presidente na história do PSD (não contando o período de divisão tripartida do sofrido consulado de Carlos Mota Pinto).
Fruto desta situação não fiquei admirado por ver dezenas de autarcas e dirigentes distritais e concelhios, a maioria até há pouco apoiantes de Rio, deslizarem para suportar Rangel.
Foi nessa altura, que no último Conselho Nacional, também indiciei um eventual apoio a Rangel.
Essa vontade diluiu-se abruptamente nos dias subsequentes e, de forma definitiva, no dia de apresentação de Paulo Rangel no Porto, a que fui assistir, no auditório da Tecnimaia.
Nesse dia decidi que não podia votar nele. Por razões de coerência ética não exprimi a minha alteração de opinião.
Já não era o momento para o fazer com dignidade. Até porque estou farto de aturar os dictates de quem não tem capacidade de separar um burro de um cavalo e aproveita todas as oportunidades para diminuir com azedume aquele de quem não gosta.
Então por que não votei Rangel:
a. Por que a forma como observei os primeiros contactos do candidato com o mundo real dos votantes, evidenciou-me uma falta de empatia e capacidade de comunicação inaceitável para quem aspira conquistar um país;
b. Por que na política é fundamental ser dono de uma estética corporal e discursiva, que valem tanto ou mais que a substância do que se quer transmitir.
É verdade que estas lacunas já as havia observado em campanhas anteriores para o Parlamento Europeu, mas os políticos ‘crescem’ com o tempo e muitas vezes metamorfizam-se quando confrontados com o ‘desafio da sua vida’.
Tal não aconteceu desta feita com Paulo Rangel;
c. Por que na apresentação que fez na Maia conheci o seu mandatário para o Porto. Com os seus 93 anos, aparenta ter 75, continua com uma extraordinária vitalidade (Deus lha mantenha pois não desejo mal a ninguém), mas continua a ser o mesmo maniqueísta radical de sempre.
A idade não o moderou.
Fez um discurso forte, longo mas perverso e imbuído de ressentimento de décadas. Referiu-se a três líderes e ignorou e embrulhou os restantes dezasseis num manto de irrelevância quase antipatriótica.
Nessa omissão, a tocar o rancor, ignorou Passos Coelho e o seu consulado de salvação nacional e passou como gato sobre brasas pelo facto de ele próprio ter sido até à véspera um dos principais apoiantes de Rio.
Evocou factos da vida partidária de forma distorcida, contando a História ao contrário, mentindo por omissão. Sobre vários presidentes que sempre detestou, ignorou os seus feitos, imputando-os a outros. Muitos dos referidos haviam sido protagonizados por Francisco Pinto Balsemão, Marcelo Rebelo de Sousa, Fernando Nogueira e Marques Mendes.
Nessa opção discursiva até foi irrelevante que o único ex-líder presente na primeira fila, nem sequer tenha sido cumprimentado. Esse ‘velho’ dirigente fez-me reviver o combate de um jovem líder da JSD, eu próprio, contra o secretário geral mais autoritário e anti-modernidade que o partido alguma vez elegeu;
d. A direção de campanha de Rangel publicou nessa noite um longo vídeo sobre o dia de campanha no Porto.
Verdadeiramente estalinista.
Ao mostrar Rangel a cumprimentar os militantes sentado na primeira fila fez um corte abrupto no momento em que este se aproximava do local onde estava o ex-líder do partido Luís Filipe Menezes. Foi algo premeditado por legítima opção política.
O mesmo extenso vídeo não fez uma única referência à presença desse ex-presidente do partido na visita de Rangel ao seu distrito;
e. O discurso de Paulo Rangel na Maia foi festeiro e populista. Contudo as propostas políticas que tentou encorpar foram vagas, ou até colocadas num quadro de hipóteses alternativas, algo de imperdoável e pobre para quem deseja ser primeiro-ministro dois meses adiante;
f. Nas poucas palavras trocadas comigo nessa noite, manifestei o que já lhe havia dito, que esperava de lá sair convictamente decidido a apoiá-lo. Rangel manifestou surpresa por eu ali estar e repetiu o que já havia dito quando do último Conselho Nacional: «Vou-lhe telefonar pois o seu apoio, a decidir expressá-lo, é tão relevante que quero realizar uma cerimónia só consigo para o colocar em especial destaque. É fundamental e importante para mim. Telefono-lhe amanhã para combinar-mos local e hora».
Ainda estou à espera desse telefonema, que aliás seria inconsequente pois a minha opção estava feita;
g. Nos dias que se seguiram ao Conselho Nacional quis esclarecer algumas declarações proferidas em várias intervenções públicas por Paulo Rangel, bem como aspetos de intendência que me preocupavam. Liguei-lhe várias vezes. A resposta «ligo mais tarde», não teve seguimento. Compreendo que deve ter sido uma época vivida intensamente, mas também um momento em que as atitudes mais marcam o que cada um é na profundeza do seu íntimo.
Em tempos que já lá vão um ex-líder do PSD, num contexto em que apaziguávamos divergências, disse-me: «…Luís Filipe, a solidariedade, mesmo que circunstancial, é uma estrada com dois sentidos…». Uma outra vez outro dirigente, Miguel Veiga, disse numa entrevista ao Expresso que todos os políticos são como os gatos, «…de vez em quando sabe-lhes bem um afago no pelo das costas…».
Eles tinham razão e eu, com o diferendo com Barroso e com a relação de ‘amor/ódio’ com um indiscutível grande vulto como Veiga aprendi a respeitar ainda mais tão primário e óbvio princípio. O de que, para muitos, para mim muitíssimo, os afetos contam, mesmo a um nível superior do contacto político. A partir dessa altura passei a ser ainda muito mais respeitador dessa norma de ‘trânsito político partidário’.
Ora o Dr. Rangel, face a um enquadramento importante e publico, preferiu viajar numa estrada de sentido único. Já tenho a experiência, a idade e o direito para julgar à minha maneira a importância vital desses aparentes pequenos detalhes.
Foi por isso, valorizei a presença dos ex-líderes Passos Coelho e Santana Lopes na apresentação do meu último livro. Foi por isso que então valorizei uma mensagem simpática de Balsemão. Por isso julguei de forma implacável a ausência de outros, entre eles alguns a quem, no passado, me dediquei, com grande prejuízo pessoal, doentiamente.
Quanto ao resultado de Sábado passado, não me surpreendeu e assentou em três factos simples e decisivos.
O primeiro resulta do sucesso do essencial da estratégia de Rio.
Surfando sondagens que diziam ser ele o preferido dos eleitores, não se poupou de repetir o apelo dirigido aos eleitores militantes: «Votem ouvindo o povo e ignorem os dirigentes desfasados do mundo real». Curto e eficaz.
No outro lado da barricada, Rangel, também esgrimia uma mensagem potencialmente forte e arrebatadora. «O PSD não se aliaria ao Partido Socialista».
Era uma ideia forte, mas foi difundida num desastrado ziguezague de intensidade, chegando mesmo a ficar omissa em silêncios em algumas respostas mediáticas importantes, como a que verteu numa resposta ao jornal Público.
Não foi também exacerbado com argumentos que mexeriam com os militantes, como a forma como Costa utilizou uma narrativa injusta e ‘passa-culpas’ sempre que se referiu aos quatro anos de troika e à sua responsabilidade nos governos de José Sócrates e subsequente caos económico e financeiro.
Sobejou um discurso correto de assunção de derrota. Sempre elogiável e creio que sincero.
Nestes resultado ressalta ainda uma importante realidade. No PSD os tais ‘barões’ respeitados e Influentes do passado já eram! Hoje muitos dos dirigentes das estruturas intermédias só se representam a eles próprios.
Agora os dados estão julgados e Rio tem o seu ‘momento’. Aparece mais fortalecido que nunca e, paradoxalmente, Rangel foi a sua vitamina.
Vitimizou-o, colocou-o pela primeira vez formalmente como o mais forte numa compita a dois, fez da disputa interna uma espécie de primeira volta, vencedora, das legislativas.
É a hora de mostrar o que já tem dentro de força escondida. Em 1989, a um chanceler medíocre, a queda de um muro, mudou-o de alto a baixo. E transformou um homem, que só parecia grande e pesadão, num buldozer, num estadista que mudou o mundo (Helmut Kohl).
Rio tem aqui o seu ‘muro, vamos ver como o consegue galgar.
Duas notas finais.
O PSD já teve 19 presidentes e no essencial, simplisticamente, reparti-los-ia entre os ‘fofinhos’ e afetivos e os duros, mais frios e racionais (mesmo que por vezes belicosos).
Só alguns dos segundos chegaram a primeiros-ministros, ganhando eleições : Sá Carneiro, Cavaco Silva, Durão Barroso e Passos Coelho.
Os ‘bonzinhos’ e afetivos, como Marcelo Rebelo de Sousa, Fernando Nogueira, Marques Mendes ou Luís Filipe Menezes ficaram pelo caminho. Balsemão e Santana Lopes, pertenciam a este segundo grupo e foram primeiros-ministros, mas não venceram pleitos eleitorais para lá chegarem.
Os portugueses, nomeadamente quando julgam partidos de poder, mais reformistas e frontais, como o PSD, deixam transparecer um subconsciente saudosista das posturas mais próximas do gosto pela autoridade, pelo solitarismo temperamental, pelas vestes de uma espécie de laicismo clerical. Foram 5 décadas de ‘vício’!
Rio encaixa neste perfil e é dono de um estoicismo obsessivo que já lhe deu vitórias e fomenta um certo culto de invencibilidade.
No livro que publiquei em maio último e em que dedicava um capítulo a cada um dos líderes do PSD, terminava o que dediquei a Rui Rio da seguinte forma: «O PSD vai exigir resultados a Rui Rio e dificilmente lhe perdoará uma clara derrota (referia-me às eleições autárquicas e tal não aconteceu), mas também é um facto que Rio é o mais resistente líder partidário da história do PSD, facto para que se têm que preparar os que tenham o desejo e as condições para lhe tentar suceder».
Como sempre mantenho a coerência. De apoiar quando tal se justifica e de criticar quando tal é uma exigência.
Rio venceu, venceu bem, é pois o líder que eu tentarei seguir e ajudar até 30 de setembro.
Um Governo liderado por si será sempre melhor que o de António Costa, com ou sem ‘geringonça’.
Aguardo com interesse a apresentação de um programa reformista, a constituição de uma lista de verdadeira unidade (a unidade não se constrói só com os leais incompetentes, mas ainda menos com os campeões do vira casaquismo ou, pior, com os pseudo-neutrais que são os piores dos oportunistas – alguns já se perfilam para candidatos à Invicta e a outros altos cargos).
Finalmente, na vitória de Rio houve um operacional determinante, Salvador Malheiro, o patinho feio de uma certa intelectualidade de pacotilha. Se Rio o escutar mais terá muito a ganhar com os seus avisos, informações e conselhos.