O agravamento do cenário pandémico tem levado várias autarquias a cancelar os festejos de Ano Novo e este posicionamento já começa a afetar o setor da pirotecnia e da indústria de explosivos.
“Temos recebido alguns testemunhos dos nossos associados que revelam uma profunda preocupação em relação ao antecipado cancelamento dos espetáculos de pirotecnia”, começa por explicar, em declarações ao i, Lina Guedes, presidente da Associação Nacional de Empresas de Produtos Explosivos.
“Parece-nos muito precipitado porque não obrigam a que haja concentração de pessoas. Para já, obrigam a um certo distanciamento físico e, de facto, podemos apreciar um destes espetáculos na sua total abrangência mesmo que à distância”, sublinha a dirigente, salientando que o fogo de artifício constitui “um símbolo” associado à passagem de ano e, sem ele, “parece que passamos a data sem cumprir a tradição”.
“Julgamos que as medidas que entraram em vigor [na quarta-feira] são as necessárias”, declarou esta quinta-feira a ministra Mariana Vieira da Silva, no final da reunião do Conselho de Ministros, mas a verdade é que várias cidades não quiseram prosseguir com os eventos. “Somos os mais interessados em cumprir as normas de segurança, mas associar estes espetáculos à pandemia é completamente desproporcionado”, refere Lina Guedes, frisando novamente que os mesmos acontecem sem qualquer necessidade de proximidade física.
“Há dois anos que estamos sem trabalhar: estamos sedentos de uma resposta efetiva para os nossos problemas e, quando estamos confiantes de que vai haver uma retoma… Se começamos novamente com cancelamentos e restrições, vamos ter de pedir ajudas para continuar com a atividade aberta”, admite, confessando que continuar a lutar pela sobrevivência deste setor em plena pandemia é tudo menos fácil.
De milhares e milhões de euros à falência de empresas Se consultarmos dados presentes no portal Base e disponibilizados em diversos artigos publicados, entendemos que, em 2019, a cidade que gastou mais dinheiro com fogo de artifício foi o Funchal, tendo atingido 1 milhão e 48 mil euros. Este ano, as festas de Natal e Fim de Ano em 2021 envolvem uma dotação orçamental de 1 milhão e 85 mil euros para fogo de artifícios. De seguida, surgiam Albufeira com 475 mil euros, Lisboa com 90 mil, Porto com 25 mil e a Guarda com 9 mil.
Já no ano passado, a inexistência de faturação nesta época festiva prejudicou fortemente a indústria em questão. Depois de o Governo ter proibido os eventos de rua e a maioria das câmaras municipais ter anunciado que não organizaria sessões de fogo de artifício, numa data que costuma representar 40% da faturação, as variadas associações previram que a maioria das empresas viria a falir.
E, efetivamente, as previsões corresponderam à sucessão de acontecimentos verificada. “Aos poucos, vamos recebendo a informação de empresas que vão fechando e relatos de pessoas desesperadas. Estamos a passar por uma das piores fases da nossa história”, diz Lina Guedes, lembrando que grande parte das empresas “são familiares e centenárias”, dependendo exclusiva ou maioritariamente deste negócio.
“A passagem de ano é uma das épocas do calendário que é uma oportunidade para aumentarmos as vendas. E obviamente que os espetáculos são uma forma de podermos trabalhar e é isso que queremos! Estamos a estudar qual será a nossa estratégia reivindicativa, mas temos esperança de que a situação evolua positivamente e que haja algum bom senso”, reconhece a dirigente, recordando que o concelho de Mira – no distrito de Coimbra – foi o primeiro a cancelar a festa na praia que costuma organizar, seguindo-se a Câmara Municipal do Porto.
“Vamos evitar a concentração nas ruas por essa razão. Era nossa intenção fazer o fogo de artifício na praia, mas as circunstâncias são o que são e temos de nos ajustar”, justificou então Rui Moreira. E à cidade juntaram-se outras como Albufeira – vai haver fogo de artifício, mas sem assistência na Praia dos Pescadores – ou Tomar.
“Sabemos que alguns municípios têm mantido os espetáculos de pirotecnia, mas cancelado os concertos. As pessoas podem festejar coletivamente estando em casa. Estamos realmente com alguma esperança porque nesta quadra temos de acreditar que tudo vai melhorar”, remata Lina Guedes, visivelmente dececionada com a situação atual – sendo que a associação “errada e patética” da pirotecnia aos incêndios florestais já manchava a reputação do setor antes do surgimento do novo coronavírus –, porém, esperando que tudo melhore. “Queremos viver isto em pleno. É tão fácil compreender que não se põe em causa qualquer situação sanitária… Isto parece-nos totalmente despropositado!”.