Por António Prôa
Em Lisboa, o novo executivo camarário propôs que na próxima edição do concurso do Programa Renda Acessível fosse dada prioridade a candidatos que residissem em Lisboa ou que, tendo residido, tivessem saído da capital nos últimos 10 anos. Tratava-se de um sinal quase simbólico (seriam apenas 40 fogos) de que a Câmara queria manter ou recuperar aqueles que têm sido expulsos de Lisboa por falta de condições para viver na sua cidade. Era uma discriminação positiva para os lisboetas. A oposição chumbou a proposta.
Alguém entende que quem governe a cidade não tenha uma particular atenção para a comunidade que os elegeu? Quem nasceu, sempre viveu na sua cidade e quer continuar numa comunidade não deve ter esse direito? Tratando-se de um investimento municipal, este não deve responder, primeiro e em parte, às necessidades dos respetivos munícipes?
O que estava em causa agora não era mudar o Programa Renda Acessível nem impedir que quem não vive em Lisboa deixe de poder aceder aos concursos. Era apenas dar um sinal de atenção a quem vive em Lisboa e está em risco de sair contra a sua vontade e a quem foi expulso por não ter encontrado, na sua cidade, oferta de habitação compatível.
A motivação para o chumbo desta proposta foi política. O argumento foi fraco. As oposições quiseram demonstrar força (mesmo sem razão). O objetivo foi tentar demonstrar a fragilidade de quem agora mesmo começou a governar a cidade.
A consequência prática foi a de impedir que quem é lisboeta possa permanecer, querendo, a viver na sua cidade. A conclusão é que uma proposta, apesar de inscrita num programa sufragado pelos lisboetas, foi obstaculizada.
A confirmar o sentido oportunista desta atitude política está o exemplo de outras políticas municipais vigentes, em que se verifica um tratamento diferenciado entre quem é lisboeta e quem não é, precisamente na área do acesso à habitação, mas também noutras questões, como a mobilidade.
O sentimento de pertença a uma cidade é um elemento determinante para a formação de uma comunidade e para a criação de laços de solidariedade. Ser ‘lisboeta’ é importar-se com a ‘sua’ cidade, conhecer os ‘seus’ vizinhos e sentir-se ‘em casa’. A identidade de Lisboa é muito mais do que ‘apenas’ quem reside, mas não será nada sem os lisboetas.
A Câmara Municipal de Lisboa é escolhida pelos lisboetas. É natural que esta, quando eleita, governe a cidade com especial atenção por aqueles. É assim numa freguesia com os respetivos fregueses, deveria ser assim num concelho com os seus munícipes, como é assim num país com os nacionais ou, por exemplo, na União Europeia com os europeus.
A atenção aos lisboetas não tem de ser sinónimo de exclusão de outros. Aliás, a promoção de uma comunidade mais forte reforça a abertura, o acolhimento e a solidariedade.
A crise no acesso à habitação em Lisboa é uma evidência. A ação para resolver o direito à habitação deve constituir um compromisso de todos. Mas não deixa de ser extraordinário que em Lisboa, depois de 14 anos de responsabilidade socialista sem que quase nada tivesse sido concretizado nesta matéria, não haja, pelo menos, alguma humildade para assumir esse fracasso, precisamente no “Programa Renda Acessível”, aquele que agora estava em causa, para o qual foram prometidos 6000 fogos em quatro anos e foram concretizados apenas cerca de 500.
Importa que agora, com uma nova gestão municipal, finalmente se concretize a resposta urgente à crise do acesso à habitação, desejavelmente em diálogo e com um compromisso político alargado em que todos assumam as suas responsabilidades, respeitando a vontade dos eleitores – os lisboetas.