Por Joaquim Silva Pinto, gestor
Os muitos interlocutores que mantenho nos meios político, empresarial e associativo sabem que estava frustrado pela não candidatura à presidência do PSD de Jorge Moreira da Silva, cujas qualidades são amplamente reconhecidas na OCDE onde figura como quadro superior influente, após ter deixado marca como ministro do Ambiente e número dois social-democrata no Governo de Passos Coelho.
Brilhantes artigos semanais e múltiplas conversas me dão a garantia da interiorização do pendor sócio-liberal por ambos preconizado, agora que o irreversível clima favorável à globalização pôs em causa o modelo keynesiano. Aprofundada preparação macro-económica, assumida posição ambientalista, perfil de pessoa séria, dialogante e realizadora.
Em alternativa, só Carlos Moedas confinado que está como autarca modelar que vai ser, ou Pedro Reis rosto da diplomacia económica quando presidente da AICEP, recentemente notabilizado pela excelente campanha temática para bastonário da Ordem dos Economistas. Declaração de interesses: sou amigo dos três.
Paulo Rangel nunca me convenceu pela tendência, qual novo Guterres, para o discurso fácil, esteticamente aliciante, mas incontido, porque ambos os citados se gostam de ouvir. Receava idêntica incapacidade para a efetivação prática.
Contudo, entre este e Rui Rio, a ser eu militante do PSD, teria votado no eurodeputado, já que o meu cordial contemporâneo na Assembleia da República, depois eficiente presidente da Câmara Municipal do Porto, profundamente me dececionou como opositor/colaborante de António Costa, idealizando uma aliança centrista em molde de Bloco, fosse governamental ou parlamentar.
Consiste este motivo em ter solicitado espaço no Nascer do Sol por ter amigos, que amavelmente uns, menos outros, me têm lembrado, que fui apoiante de Mário Soares e Mota Pinto no Bloco Central, mais tarde militante do PS exatamente por Jorge Sampaio ver em mim, depois das frutuosas lides no MASP, um interlocutor fluente com o centro-direita.
Tal acarretou mesmo ser por ele incluído na lista para deputados de Lisboa em lugar de destaque, o que se não veio a concretizar por rasteira de António Costa, contra expressas indicações do secretário-geral, que à pressa me remeteu, publicamente contristado, para o círculo de Faro, o que aliás veio a ser para mim uma aliciante experiência. Costa não foi original na prática de trair; António José Seguro, Maria de Belém, agora os parceiros da ‘geringonça’, que o digam.
Exatamente pelo atual secretário-geral do PS ser pragmático egocentrista, ao mesmo tempo que confessado esquerdista, revela Rui Rio uma esdruxula ingenuidade ao aceitar, diria mesmo desejar, acasalar-se politicamente com aquele, forjando um bloco anti-natura mesmo que fosse o PSD a ter mais votos do que o PS.
Há anos estavam em presença Mário Soares, Almeida Santos, Jaime Gama, Veiga Simão, todos pessoas de palavra e feição moderada enquanto avessos ao socialismo estatizante representado predominantemente pelo PCP/CGTP fiel a uma transparente opção leninista.
No PSD distinguiam-se Mota Pinto, Rui Machete, Álvaro Barreto, próximos de Soares ou pelo menos respeitando-o como mais tarde confirmaram no MASP II. Consistiam num centro quase esquerda declarando-se convictos social-democratas.
Nessa conjuntura, eram duas formações políticas não oponentes de fundo. Mas, para colar essas vontades de se entender, sobressaia a urgência de Portugal se legitimar democraticamente como membro de pleno direito da Comunidade Europeia, hoje UE, com desejadas vantagens complementares de apoio financeiro.
Entrou para isso em cena o menos lembrado Ernâni Lopes, prestigiadíssimo representante português em Bruxelas, interlocutor ideal nas melindrosas conversações com o FMI, já que estávamos à beira da bancarrota, quase tanto como anos mais tarde ocorreu pelo desacerto do socratismo, contexto mais profundo do que o trajeto judicial do apelidado Zé.
A Ernâni, que possuía uma fortíssima personalidade, foram garantidos poderes de superministro. Dizia-se que punha e dispunha como um novo Salazar, o que o divertia apesar de democrata. Ganhara o estilo vincadamente operacional dos alemães, sendo certo que, por iniciativa de Sá Carneiro, desempenhara funções de embaixador de Portugal na Alemanha Ocidental.
Politicamente oscilava entre o centro-direita ou esquerda, o que ocorria também com Guilherme d’Oliveira Martins e eu próprio, mesmo após ter ingressado no PS a convite insistente de Jorge Sampaio. No diálogo com Eduardo Catroga, Mira Amaral, Valente de Oliveira, Alípio Dias, o próprio Duarte Lima, enquanto líder de bancada, sempre foi possível a conjugação de objetivos. Discutíamos, sim, medidas, prioridades, processos. Foi sem oposição de fundo que o governo de Cavaco Silva viu aprovar o PEDIP II, o projeto Autoeuropa, o IVA social direcionado para a estabilidade da Segurança Social. Honro-me de ter contribuído para tudo isso.
Hoje o cenário é outro. Após a queda do muro entre socialismo democrático e estatizante consagrado em seis anos de ‘geringonça’, o PS tornou-se com Costa um parceiro assumido da grande Esquerda incluindo a radical. Como aceitarão de boa mente Ana Gomes – continuo a fixar-me na diplomata passionária como possível líder tipo ‘mãe coragem’ – Pedro Nuno Santos, Galamba, Cravinho filho, Marta Temido compaginarem-se agora com o PSD, mesmo afirmando-se este como de centro e não de direita? Há toda uma franja no PS mais eficazmente BE do que alguns excitados bloquistas. A génese da Frente Popular transformar-se-á progressivamente em realidade. A CDU ganhará fortes aliados no Parlamento e na rua. A vitória e os propósitos de Rio deram-lhes força, mesmo sem ele querer.
No PSD também será muito difícil, senão impossível, suster a médio prazo, a ala saudosista de Pedro Passos Coelho, verdadeira reserva da República, por mais que o próprio evite de momento o regresso. Foi uma vasta corrente, onde se contam políticos experimentados, hostilizada em termos inaceitáveis atentando-se contra a justiça e o bom senso.
Aliás, ao gabar-se de ter ignorado e até combatido dirigentes eleitos ou personagens de elite, Rio legitimou, com esse populismo basista, os processos criticados ao Chega. Este Partido, até por isso, irá crescer prevendo-se um resultado estimulante em 30 de janeiro próximo. Este dado é uma premissa a não poder ser ignorada. A Iniciativa Liberal, por seu turno, será reconfortante refúgio para dissidentes do PSD, se não vierem a vislumbrar-se mudanças à miragem de fidelidade a Costa.
Num clima de ‘instabilidade na estabilidade aparente’, choverão declarações de voto, abstenções, ausências estratégicas tanto do lado da Direita como da Esquerda. A turbulência indesejada pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, quanto a mim felizmente no exercício desse cargo, não só pelas indiscutíveis qualidades de inteligência e sentido político, mas porque num período de permanente imprevisibilidade não há melhor solução para Chefe de Estado, do que um hiper-imprevisível, capaz de ‘ir dando a volta ao texto’ com inesperados golpes de rins.
Encontro-me, pois, confessadamente perplexo, embora esperançado, a quatro ou talvez dois anos, numa consolidação operacional da democracia no modelo predominante na União Europeia. Até lá, temo a fragilidade do Estado em plena crise social, não sendo de recusar a hipótese de novo resgate. Dir-me-ão alguns leitores: na sua idade para quê preocupar-se tanto com o futuro de Portugal? Respondo, sem me melindrar antes sorrindo: o facto de nessa altura eu poder não estar vivo é analiticamente irrelevante.