O Tribunal da Relação de Coimbra condenou um homem a uma pena suspensa por ter forçado sob ameaça o filho de 14 anos a trabalhar durante as férias 18 horas seguidas, entre as 07h e as 20h. Este não foi o único crime ao qual foi condenado, tendo sido provado também a sua autoria de um crime de violência doméstica contra a ex-mulher.
Os factos ocorreram no verão de 2017, quando o filho do arguido, do concelho de Sátão, Viseu, foi obrigado a trabalhar com o pai, de profissão eletricista, durante três meses. Saía de casa para o trabalho pelas 7h e regressava às 20h. Mesmo que pensasse em se recusar a trabalhar, o jovem acabava por acatar as ordens do pai, com medo das suas ameaças físicas.
"O filho chegou a recusar ir trabalhar com o pai, acabando, contudo, por aceder, com receio de que este lhe batesse. Tais factos, consubstanciado um comportamento desumano, cruel, comprometedor do desenvolvimento físico e psíquico do menor, preenchem o tipo de crime de violência doméstica", consideraram os juízes Maria José Nogueira e Frederico Cebola, no acórdão a que a agência Lusa teve acesso.
Contudo, antes desta condenação, o homem já tinha sido condenado a uma pena única de três anos de prisão, suspensa na sua execução, no qual foi sentenciado pela autoria de um crime de violência doméstica contra a ex-mulher, com quem esteve casado desde 1999, indica o documento.
Ainda assim, o homem apresentou recurso para a Relação de Coimbra, alegando que levava o filho para o trabalho não com o intuito "de o castigar, de o molestar física ou psicologicamente", mas como "uma forma de aprendizagem, para passar o tempo, para o manter ocupado e distraído".
O arguido também contou que começou a trabalhar aos 11 anos, uma vez que o pai morreu de forma prematura, considerando então o seu passado, ainda que de forma "inconsciente", poderá "ter contribuído para que o mesmo quisesse levar o seu filho consigo para o trabalho e ser um pouco mais exigente para com o mesmo".
Mesmo assim, os juízes da Relação desvalorizaram o passado do arguido, ao referir que este não "justifica a sua conduta" e "não é propriamente um iletrado", e consideraram que o pai desempenhou uma relação "desumana" com o filho, ao obrigá-lo a trabalhar diariamente durante todo o período de férias escolares, sem reservar tempo para as atividades "adequadas à sua idade, como sejam o estudo, mas também os momentos de lazer, de brincadeira com os seus pares".
"Quando uma criança de 14 anos, diariamente, durante três meses (período de férias escolares), é obrigado a trabalhar, por um número alargado de horas, numa área de atividade intrinsecamente perigosa, fazendo-o contra vontade, mas acabando por ceder com receio que o pai lhe bata; quando se assiste à supressão diária das horas de descanso que o desenvolvimento da criança reclama, sujeitando-a ao esforço físico que uma atividade como a que foi chamada a desenvolver, durante um horário alargado, requer; quando não se lhe deixa margem para os momentos de lazer inerentes à idade, tão simples como a convivência com os amigos, não há como afastar a verificação de maus tratos físicos e psíquicos", aponta o acórdão.
O documento também nota outro detalhe sobre um crime de violência doméstica contra uma filha do arguido, com a Relação a absolver o recorrente deste ilícito.
De acordo com o documento, o caso coloca em causa uma chapada na cara da filha, que os juízes determinaram que não se tratava de violência doméstica, mas sim de ofensa à integridade física, caindo assim o crime por ser necessário apresentar queixa no espaço de seis meses após a prática dos factos.
Contudo, o tribunal verificou que esta não foi uma mera "reação castigadora" do pai, visto que a chapada "foi de tal ordem que levou a que o brinco [da filha], usado na orelha, ficasse preso no pescoço", ressalvando outra chapada na cara do filho, que o deixou a sangrar do nariz.
"Os comportamentos desrespeitosos, mesmo intoleráveis dos filhos, a exigir a intervenção dos progenitores, no exercício do dever de educar, não consentem um exercício do poder de correção sem limites; (…) não excluindo, embora, em certas circunstâncias de maior tensão, o castigo físico moderado, o que se entende não ter acontecido em qualquer dos casos", lê-se no documento.