Como nas alturas de maior pico, quase toda a gente conhece alguém infetado ou em isolamento e o segundo Natal da pandemia vai ser vivido com maior risco de infeção, sendo incerto o desfecho da quadra e o impacto da nova variante no curso da pandemia e na transição para uma fase endémica de circulação sazonal do vírus. O Governo não impôs restrições, mas deixou apelos ao bom senso, a que se façam auto testes antes dos convívios enquanto a Direção Geral da Saúde emitiu também recomendações para festas seguras. Peritos ouvidos pelo Nascer do SOL admitem uma escala da infeções superior à do Natal passado, mas a incógnita, neste momento, é qual será a severidade da doença e a pressão adicional sobre os hospitais, até aqui com uma situação mais folgada do que no ano passado na frente da covid-19 mas com mais episódios de urgência, doentes mais descompensados e com consultas e cirurgias ainda a recuperar – e com o risco de, aumentando muito a pressão da covid-19, voltar a paralisar de novo.
16 mil casos por dia no fim do ano
Carlos Antunes, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, recorda ao Nascer do SOL que no período festivo do ano passado foram infetadas durante a época do Natal e fim do Ano cerca de 60 mil pessoas. Atualmente, a equipa da FCUL projeta que o número de infeções possa ser superior este ano, chegando-se a 16 mil casos diários a 31 de dezembro e ainda com tendência crescente, e que a semana de contenção prevista pelo Governo para o início do ano poderá desacelerar mas não será suficiente para travar – o vírus não vai desaparecer. O matemático Óscar Felgueiras, que integra a equipa do Norte que faz as propostas de desconfinamento e que faz a monitorização da pandemia também desde o seu início admite uma escalada para uma média de 8500 casos diários no final do ano. Segundo o Nascer do SOL apurou, as projeções que o Governo tem em mãos da parte do Instituto Ricardo Jorge, feitas com base no RT, apontam para menos infeções, na casa das 5 mil no início da última semana do ano.
Com números diferentes, a ideia de que as infeções se multiplicarão no Natal parece reunir consenso: a incógnita é com que desfecho em termos de casos graves a exigir internamento e de mortalidade. A população mais velha já vai adiantada no reforço da vacina, que parece devolver uma proteção na casa dos 70% a 80% contra doença sintomática pelo menos duas semanas após a toma – para mais tempo os dados ainda são poucos – mas se o aumento de casos for muito significativo, aumentará também o universo de doentes moderados e graves.
Aqui as estimativas também acabam por ser díspares: os números do INSA apontam para cerca de mil doentes internados com covid-19 nos hospitais na última semana do ano e menos de 200 em UCI. Ao Nascer do SOL, Carlos Antunes sublinha que a incerteza é grande mas aponta para um universo superior. Com base nos atuais rácios de internados por casos diagnosticados e óbitos e no aumento da incidência que projeta com base na progressão da nova variante, mais transmissível, a seguir ao Natal o país poderá confrontar-se com 2600 a 3 mil doentes internados, dos quais 350 a 450 em UCI e 45 a 60 óbitos diários, diz ao Nascer do SOL. «Para além de final do ano é muito complicado projetar, pois haverá reação no pacote de medidas e isso implicará um menor impacto. Já que, segundo esta projeção, ultrapassaremos as 255 camas em UCI por volta do Natal e poderemos chegar aos 16 mil casos e às 500 camas em UCI no início do ano. Se anteciparmos, prolongarmos e reforçarmos as medidas do período de contenção a iniciar a dia 1, estes números terão uma realidade diferente. Por outro lado, não sabemos como é que a nossa cobertura e reforço vacinal irão impactar a progressão da Omicron», explica, sublinhando que a evolução da situação nos próximos dias poderá permitir projeções com menor grau de incerteza. Por outro lado, se houver um aumento muito significativo de infeções, a capacidade para manter o atual nível de deteção será limitada. Como ponto positivo, o reforço da vacinação parece já estar associado a um menor risco de internamento do que aquele que se estava a verificar em novembro, tendo abrandado o ritmo das admissões hospitalares. A maior taxa de notificação de novos casos mantém-se nas crianças dos 5 aos 9 anos mas nos últimos dias voltou a aumentar o número de casos diagnosticados em maiores de 80.
Risco de reinfeção 5 vezes maior e R de 3
Com a tentativa de antecipar o impacto da Omicron na evolução da pandemia a mobilizar cientistas em vários países, ontem, no Reino Unido, o Centro de Análise para Doenças Infecciosas Globais do Imperial College London publicou uma nova estimativa segundo a qual o risco de reinfeção para quem já teve covid-19 com esta nova variante é 5,4 vezes superior ao que era com a Delta.
Sendo o Reino Unido o país com mais casos suspeitos e confirmados da nova variante de covid-19 detetados até ao momento, a análise é, até agora, a que inclui o maior amostra de casos ligados à Omicron (mais de 200 mil) e reitera algumas conclusões, nomeadamente de que a proteção de duas doses da vacina da AstraZeneca é residual e da Pfizer baixa, subindo para moderada (55% a 80%) nas pessoas que recebem um reforço com uma vacina de mRNA (Pfizer ou Moderna). Mas fica um alerta: «Não encontrámos nenhuma evidência (quer para risco de hospitalização quer de sintomas) de a Omicron ter um nível diferente de severidade da Delta, embora os dados de hospitalizações sejam ainda muito limitados». Até 11 de dezembro, os casos da variante duplicavam a cada dois dias com um R de 3 – o que só no início da pandemia, sem medidas, tinha acontecido. Portugal não estará muito atrás de Inglaterra – ontem soube-se que 20% dos casos nacionais já são da nova variante (o ponto em que se encontrava o Reino Unido na segunda-feira). No fim do ano, disse Marta Temido, já serão 80%.
Para já, o que é certo é que o Natal para muitos será de novo vivido com o peso da covid-19, para uns com o receio da infeção, para outros com a memória do Natal passado. Esta sexta-feira estavam infetados e em isolamento em vigilância por serem contactos de alto risco 167 979 portugueses, 70 406 casos ativos de covid-19 e 97 573 contactos. São já mais pessoas em isolamento do que no Natal passado e mais do que eram a 17 de dezembro, a uma semana da consoada. Estavam então em isolamento 146 mil portugueses. Na altura a pressão nos hospitais era bastante superior à que se vive hoje, com mais de 3 mil doentes internados, cerca de 500 em UCI, o que a explosão de casos e internamentos após as festas tornaria dramático em termos de capacidade de resposta a todos os doentes. No pico da vaga chegaram a estar internados em UCI 900 doentes com covid-19 e 1300 no total, o dobro do que era a capacidade dos cuidados intensivos no país, o que obrigou a desviar equipas de outros serviços.
Janeiro e fevereiro seriam os meses com mais mortes associadas à pandemia, representando metade das mortes desde que foram identificados os primeiros casos de covid-19 em Portugal a 2 de março de 2020. Morreram em Portugal até esta sexta-feira 18 741 pessoas com covid-19, 9379 mil nos primeiros dois meses do ano. O Governo não afasta a necessidade de novas restrições em janeiro e os peritos ouvidos pelo Nascer do SOL também não, dependendo da severidade da situação em janeiro.