Por Alexandre Faria, escritor, advogado e presidente do Estoril Praia
Compreendemos facilmente que os autarcas são os representantes mais próximos das populações e os responsáveis diretos pela salvaguarda, bem-estar e desenvolvimento das terras que representam. Esta noção carrega consigo uma perspetiva praticamente unânime, não envolvendo quaisquer dúvidas acerca dos relevantes mandatos dos eleitos locais.
O que nos escapa, na maior parte do tempo que dedicamos à reflexão deste tema, são as consideráveis discrepâncias que ainda persistem no nosso país, nomeadamente entre o litoral e o interior, face à maioria da população que reside na faixa junto ao mar, alheia às dificuldades que persistem, dia após dia, na profundidade do nosso território, tão pouco uno e coerente.
Embrenhados nas nossas vidas citadinas, absorvidos pelo ritmo delirante das horas, esquecemos comodamente as disparidades e as assimetrias continuadas entre o litoral mais povoado e o interior com menos oportunidades, assim como os desequilíbrios, as dificuldades de fixação das populações e os mais diversos constrangimentos oriundos da fraca oferta de emprego, do baixo empreendedorismo, da ausência de serviços e da redução da atividade económica. Preferimos fechar os olhos ao que se passa em nosso redor e falamos ao vento sobre a formação do capital humano, de inovação, de territórios inteligentes, inclusos e sustentáveis, num discurso adequado apenas às urbes e às características próprias de uma elevada densidade populacional.
Há poucos dias atrás, estive em Fronteira, vila alentejana situada a norte de Estremoz e a sudoeste de Portalegre, a convite do seu presidente da Junta de Freguesia para uma sessão cultural dedicada à cultura e ao desporto. E voltei a ser confrontado pelas díspares realidades neste Portugal que sonha ser grande nas oportunidades para todos. Resta-nos o mérito e a extrema dedicação dos seus representantes locais, a simpatia e o calor do acolhimento espontâneo dos seus habitantes que resistem ao êxodo e que não abandonam a missão que abraçaram, as ruas e os monumentos onde apetece prolongar a estadia, sensações comuns desde a freguesia às associações e coletividades que se empenham, a todo o momento, em prol de um bem comum.
São estes autarcas sem limites que nos trazem a esperança de manter viva uma identidade histórica que não se pode perder, que asseguram os patrimónios culturais materiais e imateriais diferenciadores, que não cedem perante uma centralidade de poder com tendência para os esquecer e que não abdicam de convidar quem é de fora, constantemente, para que conheçam as suas terras e as divulguem como conseguirem. E que nos ensinam as promissoras expectativas de um futuro, pela essência de valorização da sua localidade, assentes na verdade de que não existem fronteiras entre o interior e o litoral, porque é demasiado fácil gerir quando há mais meios ao dispor e porque a riqueza deste país reside na abnegação dos seus autarcas e na compreensão de que somos um só.