Com os receios de contágio na quadra festiva a varrer a Europa e a entrar na casa de muitas famílias, as projeções do Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME) da Universidade de Washington, atualizadas neste final de semana, sugerem que a Omicron vem abrir uma nova etapa na pandemia em que o atual modelo de testagem e rastreio de casos não vai conseguir acompanhar o ritmo de transmissão, que também será menos controlável do que foi nos últimos meses. A realidade será distinta consoante os países e os programas de vacinação, mas a nível global são esperados 3 mil milhões de novos casos de infeção nos próximos três meses, o que significa que neste período serão quase tantas infeções como em toda a pandemia, escreveu ontem Christopher Murray, diretor do IHME, das primeiras vozes na comunidade científica a alertar em março, num artigo na JAMA, que dificilmente se poderia, por via da vacinação, conseguir um cenário de imunidade de grupo perante esta nova doença, também pela sua sazonalidade. Em termos de mortalidade e pressão sobre os hospitais, o IHME prevê um cenário menos grave que o do último inverno para Portugal, mas mantém-se a incógnita quanto à severidade da doença em infetados com a nova variante, em particular para quem não está vacinado e quem tem maior risco. Recomendam a nível global a adesão à vacina e à terceira dose e uso de máscara, e aos mais velhos e com comorbilidades que evitem ajuntamentos em espaços fechados, mas mesmo com os cuidados os contágios deverão multiplicar-se ao longo das próximas semanas.
Para Portugal, as projeções do IHME apontam para um cenário de infeções que em nada se compara com o que se viveu até aqui, podendo chegar-se perto dos 60 mil novos casos diários reportados no pico de infeções, isto se se mantivesse a capacidade de testagem e deteção, podendo na realidade haver um pico de infeções perto dos 140 mil novos contágios por dia entre o fim de janeiro e o início de fevereiro – uma das premissas dos peritos é que a nível mundial haverá não só mais casos ligeiros como assintomáticos (90% vs. 40% nas variantes anteriores) e também por isso menor capacidade de deteção. Por isso, a nível mundial, uma das recomendações deixadas ontem pelo IHME é que se equacione deixar de seguir ‘casos’ e se passe a monitorizar sobretudo admissões hospitalares. Por outro lado, estas projeções não refletem medidas específicas a ser tomadas nos diferentes países – no caso de Portugal, por exemplo, as semanas de contenção que poderão ter um efeito no retardar dos contágios a partir do fim do ano. Em termos de mortalidade, neste momento o IHME aponta para mais 3 mil óbitos até ao final do março devido à covid-19 em Portugal, podendo ser mais num cenário de maior severidade da variante, isto já assumindo que todas as pessoas que fizeram o esquema vacinal inicial receberão o reforço pelo menos seis meses após a última toma – ontem o secretário de Estado da Saúde anunciou que o reforço será alargado a todos os maiores de 18 anos, mas para já a vacinação de maiores de 50 anos deve arrancar só no início de janeiro e, por exemplo, os professores vacinaram-se em abril, tendo já mais de seis meses de vacina. A população na casa dos 30 anos, que concluiu as segundas tomas no início de agosto, completa seis meses de vacinação em fevereiro.
Menor impacto na hospitalização
«A principal incerteza é quão severa é a Omicron. Com base na análise que fazemos dos dados da África do Sul e do Reino Unido, pensamos que é muito menos severa», disse ao Nascer do SOL, por email, Christopher Murray. Neste momento, a estimativa feita pelo instituto é que a taxa de letalidade com a nova variante seja 97% a 99% inferior, mas as infeções vão disparar. O que poderá levar ao pior cenário em termos de mortalidade? «Uma das incertezas é o que a Omicron fará nos não vacinados e nunca infetados. É possível que nessa população seja pior do que o que estimamos», continua o investigador, explicando que as projeções são feitas com os dados preliminares reportados pelos diferentes países sobre a severidade da doença, que têm apontado para menor risco de admissão hospitalar, embora ainda sem destrinçar o risco por estado vacinal. No Reino Unido, o Imperial College estimou esta semana um risco 20% a 25%menor de precisar de assistência hospitalar e 40% a 45% de precisar de ficar internado mais de um dia. Já ontem, a Agência de Segurança em Saúde voltou a fazer essa análise, mas salienta que por um lado a Omicron ainda não tem estado a circular fortemente na população mais velha como está nos jovens, o que é a realidade também que se vive em Portugal e que deverá mudar em breve, também com o Natal, e por outro lado não é claro se o que pesa num menor risco é uma menor severidade intrínseca do vírus ou proteção conferida por infeções anteriores.
Apesar de muitos mais contágios, a perspetiva é que sejam necessárias menos hospitalizações do que no ano passado, mas há um elemento que salta à vista na projeção para Portugal: a esta altura, previam que estivessem internadas menos pessoas em UCI do que estão atualmente, um terço. Ao longo das próximas semanas, as projeções do instituto apontam para que Portugal venha a ter cerca de 1600 doentes internados num pico de hospitalizações que sem mais medidas colocam em meados de fevereiro e, num cenário de maior severidade da Omicron, mais de 2500. «O impacto na hospitalização será menor do que no último inverno e na mortalidade também. Um confinamento provavelmente não será necessário. O foco deve estar na distribuição de terceiras doses de vacina e e no uso de máscara em especial dos que têm maior risco, maiores de 60 anos e com comorbilidades», acrescentou Murray, para quem medidas como a que foi implementada esta semana no Reino Unido, com redução do tempo de isolamento de infetados de 10 para sete dias mediante teste negativo ao sexto dia podem vir a ser necessárias, por exemplo, para evitar o impacto do absentismo. «Muitas pessoas vão ter infeções assintomáticas. É também pouco provável que a transmissão possa ser efetivamente controlada. Reduzir o tempo de isolamento será provavelmente necessário», afirma. É este o aspecto de uma endemia? Aqui a previsão do IHME é que ainda não, porque continuará a haver surtos de covid-19 ao longo do verão, previsivelmente menos. «Esperamos que a covid-19 se torne endémica mas é provável que surjam outras variantes do vírus. A Omicron provavelmente não será a versão endémica porque vai infetar uma grande fração da população. Combinado com a vacinação, é provável que a epidemia se mantenha em níveis baixos a partir de maio». Certo é que o segundo Natal da pandemia é vivido com mais pessoas em isolamento, mais de 200 mil, menos internados nos hospitais mas menor folga com os doentes não covid-19 em tratamento e o inverno pela frente.
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