É habitual ouvir-se dizer que «Coimbra tem mais encanto na hora da despedida», no entanto, a mensagem transmitida pela Balada da Despedida do 6.º ano Médico (1958), composta pelo jurista e juiz Fernando Machado Soares, não contempla o encanto que se prolonga no tempo e teima em não cessar, tal como o amor pela academia. Foi exatamente por este motivo que, a 20 de maio de 2006, nasceu oficialmente o coro Alma de Coimbra. Porém, o percurso do mesmo começou a ser trilhado pelos fundadores antes desta data.
«Na sequência das conversas entre um grupo de amigos de diversas gerações, foi constituído um grupo de fados. Deslocámo-nos por Portugal, incluindo os Açores, mas também a países como o Canadá ou Macau. E daí surgiu a necessidade de termos um nome, mas já estava a germinar a ideia de alargarmos o grupo de vários coralistas e fazermos um coro masculino», começa por explicar Manuel Sobral Torres, de 72 anos, um dos fundadores do grupo e autor do nome do mesmo.
«Entretanto, lembrámo-nos naturalmente do maestro Augusto Mesquita. Tem um bom gosto extraordinário nos arranjos que faz dos êxitos da música portuguesa e já conhecíamos o seu método e a sua capacidade de trabalho», aponta, indicando que, apesar de terem sido ponderados nomes como Alma Coimbrã, foi o atual que se tornou predileto e já a 24 de junho de 2005, no Palácio da Independência, em Lisboa, muitos antigos estudantes da Universidade de Coimbra apresentaram-se ao público. «Fomos a Goa em 2009, a Viena e a Praga nesse ano, a Bruxelas em 2011, aos Açores nesse ano, a Cabo Verde, em 2012 a Madrid, em 2013 a S. Tomé, em 2015 fomos à Etiópia a convite do embaixador, voltámos a Madrid em 2016, fomos a Barcelona, à Polónia em 2016, ao Chile em 2017, a Olivença, e a 2019 fomos à Tailândia», diz, lendo atentamente a lista com as digressões cuidadosamente registadas.
Todavia, a pandemia trocou as voltas ao Alma de Coimbra e, desde março do ano passado, têm sentido «uma dificuldade enorme em ensaiar e atuar». «Um coro vive de vozes juntas, próximas e não somos propriamente profissionais para cantarmos cada um em seu canto. O coro progrediu sempre sob a batuta do maestro Mesquita que, realmente, é a alma do Alma de Coimbra e conseguiu que fôssemos diferentes».
Para além de pensar no impacto do afastamento físico na forma como os coristas interpretam cada peça, o jurista que exerceu funções enquanto quadro dirigente da Administração Pública frisa que «este contacto intergeracional», integrando também atuais estudantes, permite que sejam vividas «experiências distintas», haja «uma compreensão do mundo diferente» e, deste modo, cada membro do grupo junta-se aos restantes com «o mesmo desígnio de cantar e, em específico, cantar música lusófona».
«E é esse o mote que nos vai animando. No ensaio do sábado passado, senti a fome de cantar. Eu sou do Porto, somos cinco daqui, há uns de Aveiro, um senhor dos Açores que já morreu, um rapaz da Madeira – que não tem vindo ao continente por motivos de saúde… Reunimos essas pessoas e é curioso porque parece que nunca estamos separados. Falando por mim, acho que não há nada igual ao Alma de Coimbra», diz, indo ao encontro da perspetiva do maestro Augusto Mesquita, de 68 anos, fundador do coro.
«Não tinha pensado em criar este grupo. Foi uma ideia de coristas que fizeram várias reuniões comigo. Fiquei a refletir sobre o assunto e, para fazer mais um grupo, teria de ser diferente. Da vontade deles unida à minha ideia, nasceu o Alma de Coimbra. O grupo era de antigos alunos, mas há sempre casos em que se pode fazer uma exceção», afirma, referindo-se a jovens como Afonso Marques, de 24 anos, a cujo talento ficou rendido quando este tinha apenas 10 anos e entrou no CANTEMUS, o Coro Juvenil do Município de Cantanhede.
«Tanto ele como dois outros rapazes – Rodrigo Gonçalo e Hugo Jesus – representam uma aposta minha para rejuvenescer o coro com a qualidade que têm. Eu disse-lhes que, se quisessem participar, poderiam fazê-lo. Não os queria perder. Fiz-me um bocado de ditador e impus que viessem os três [risos] porque são miúdos que estão comigo há muitos anos. Eu não preciso quase de falar com eles!», admite, falando com orgulho daqueles que designa como «seus afilhados», pois têm uma relação extremamente positiva.
«As vozes deles dão um colorido juvenil que beneficia muito aquelas que estão um pouco gastas. O rejuvenescimento tinha de ser feito porque senão a sonoridade seria muito baça e igual. Infelizmente, a pandemia cortou-nos um bocado este convívio», declara aquele que foi Diretor Artístico e Maestro do Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra entre os anos de 1992 e 2003, realçando que já fez mais de 60 arranjos para o coro e, atualmente, 40 encontram-se ‘em cartaz’.
«Nestas coisas, como é óbvio, uns saem melhores do que outros. Depois, há uma questão que às vezes fazemos, que é ficarmos felizes com aquilo que nos deu mais trabalho! Os ensaios são a nossa fonte de melhorar o rendimento do grupo porque cada vez que fazemos uma peça, ela sai ou vai saindo cada vez melhor e vai ser retocada. E, agora, para pôr o coro a funcionar vai haver ali um mês/dois meses até apanharmos a forma», reconhece, fazendo o paralelismo entre os músicos e os jogadores de futebol em tom jocoso.
«Por vezes, fico assustado ao pensar que não vamos ser tão bons como éramos. E também há quem falte por motivos relacionados com a covid-19. Esta mudança de vida que tivemos desmotiva as pessoas. A nível psicológico, de estar, de confiança… Afeta-nos nestes aspetos todos. E espero que possamos recuperar tudo», desabafa o maestro que é diplomado em Piano e Composição pelo Conservatório de Música de Lisboa.
Mas há quem tenha continuado a dedicar-se ao Alma de Coimbra tal como fazia antes do surgimento do novo coronavírus. É o caso de Afonso, estudante anteriormente referido, que só teve noção do potencial da sua voz aos 10 anos noCANTEMUS. «Acabei por gostar e comecei a aprender piano uns meses mais tarde, talvez quando fiz 11 anos. Primeiro, fui autodidata, descobri por mim, mas depois comecei a ter aulas. Quando vim para a universidade, o maestro convidou-me para pertencer a este coro. Era só de antigos alunos e passou a ser também de atuais». Com receio de não ter tempo para realizar todas as tarefas com qualidade e não se adaptar com a tranquilidade necessária, o rapaz formado em Engenharia Física e bolseiro de doutoramento no Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP) da Universidade de Coimbra somente ingressou no coro em 2016.
«Eu sempre achei um bocadinho que as conversas eram mais interessantes com pessoas mais velhas, por isso, quando fui introduzido no Alma de Coimbra, achei que me adaptei muito bem. E fui também muito bem acolhido. Os coristas mais velhos têm uma certa estima por nós e um espírito protetor. Gostam de saber a nossa vida, de ajudar na medida em que podem ajudar», observa o igualmente vice-presidente para a área financeira deste grupo de cantores, revelando que, no período pré-pandemia, faziam uma média de 12 concertos por ano. «Desde 2016, foram mais ou menos três anos sem covid-19, portanto, já devo ter feito uns 40!».
Mas a pujança dos 28 elementos masculinos não é devidamente reconhecida pela instituição de Ensino Superior da qual são oriundos. «O problema dos coros em Coimbra é que não há uma sede própria. Acabam por ensaiar numa das salas da associação académica, num centro… Só um ou dois é que têm sedes. Já estivemos, durante algum tempo, numa sala num restaurante de um colega do coro. Depois, arrendámos uma sala ao pé da zona industrial de Coimbra, na Pedrulha. E quando tivemos um presidente que é tenente-coronel, conseguiu arranjar uma espécie de cunha para que tivéssemos uma salinha no quartel. Eu entendo que a universidade não deva querer ter preferidos porque senão teria de dar salas a todos».
Quem está alinhado com Afonso é Amaro Jorge, eleito presidente do Alma de Coimbra no passado mês de julho. «A Universidade está mais virada para as ligações à academia do que propriamente a antigos estudantes. É claro que, pelo conceito alargado de academia, fazemos parte da mesma. Mas não insistimos demasiado porque as coisas têm de ser levadas com calma», remata aquele que terá a posição máxima nos corpos sociais do coro durante os próximos dois anos.
«Gostaríamos de ter uma sala porque andamos com os instrumentos às costas. Tentámos também ter a ajuda da Câmara Municipal e não temos tido sucesso, mas vamos voltar a conversar com eles. Os ensaios duram mais ou menos três horas. Não fazemos nenhuma pausa. Fala-se mas não muito entre peças, pois, apesar de ter havido um tempo em que parávamos para relaxar, não o podemos fazer em espaços onde estamos por favor. É chegar, atuar e ir embora», lamenta, avançando que, ao contrário daquela que pode ser a perceção geral de quem conhece pouco o trabalho do coro, esforçam-se ao máximo e até já editaram quatro CD: ‘Alma’, ‘Alma 2’, ‘Cantar Amália’ e ‘Alma 3’.
Uma das músicas que cantam com mais fervor e que é recebida com entusiasmo pelo público é ‘A gente vai continuar’, de Jorge Palma. Mas trata-se de algo muito superior: «Enquanto houver estrada pra andar/ A gente vai continuar», garantiram, dando voz aos elementos com idades compreendidas entre os 23 e os 81 anos que «enquanto houver estrada pra andar/ enquanto houver ventos e mar», continuarão a lutar pelo Alma de Coimbra.