Por António Prôa
O esforço mundial para a descoberta da vacina contra o vírus SARS-CoV-2 foi notável. No tempo e na cooperação internacional. A produção das vacinas também foi assinalável e, já antes, a articulação na tomada de medidas preventivas e a disponibilização de meios para a proteção possível revelaram uma mobilização importante. Os equipamentos e, sobretudo, os profissionais de saúde responderam de forma extraordinária a esta pandemia.
No entanto, a desigualdade no mundo ficou, uma vez mais, à vista de todos no acesso e na distribuição das vacinas. Infelizmente, não é de agora que as desigualdades se verificam: no acesso a alimentos, a água, à educação ou a cuidados de saúde. O mundo é muito injusto. Mas desta vez, a emergência, o esforço mundial perante a pandemia, as promessas internacionais de apoio aos países mais pobres e até, de modo egoísta, a consequência para o comportamento da pandemia de uma vacinação assimétrica fariam supor que as desigualdades no acesso às vacinas seriam menores. Mas não.
Em todo o mundo, 58% da população foi já vacinada com, pelo menos, uma dose. Na União Europeia a taxa é de 73%. O grupo dos países mais desenvolvidos do mundo (G7) têm taxas de vacinação iguais ou superiores a 73%. Na América do Sul a cobertura vacinal é de 76% e na Ásia de 66%. Todos estes países, regiões ou continentes ultrapassaram a meta de 40% de pessoas vacinadas até ao final deste ano fixada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). No entanto, em África apenas 14% da população teve acesso a, pelo menos, uma dose da vacina e apenas 9% tem a vacinação completa.
A desigualdade na distribuição das vacinas no mundo é gritante. África – o continente mais pobre –, com mais de mil milhões de habitantes, não tem acesso a vacinas por falta de capacidade financeira e de organização. No entanto, muitos países já iniciaram a vacinação com a dose de reforço e alguns anunciaram já a administração de uma quarta dose.
A cooperação internacional que se observou na reação à pandemia não se materializou na solidariedade com os países mais pobres. A OMS, a Aliança Global das Vacinas (GAVI) – organização internacional que financia e promove a vacinação mundial e a COVAX (programa da OMS para a vacinação COVID-19) – e o Grupo dos países mais desenvolvidos (G7) têm anunciado objetivos, metas, recursos financeiros e vacinas para atenuar as desigualdades no acesso à vacinação. No entanto, todas as metas têm falhado. Apesar dos recursos financeiros reunidos (em grande parte com contribuições do G7), a vacinação em África não se concretiza.
Para além da desigualdade evidente, coloca-se também uma questão de saúde pública mundial. Conforme tem sido afirmado pela OMS, por médicos e por cientistas, a falta de cobertura vacinal suficiente permite o desenvolvimento do vírus e promove a possibilidade de mutações que potencialmente geram vírus mais agressivos e para os quais as atuais vacinas podem não ser eficazes.
Esta desigualdade, para além de injusta em si mesma, é perigosa e pode colocar em risco (de novo) toda a humanidade. Se não for pelo sentido de solidariedade, então, pelo menos, que seja pelo sentido de sobrevivência, mas importa que esta insuportável desigualdade seja, urgentemente, atenuada.