O Parlamento da África do Sul, na Cidade do Cabo, enfrentou um incêndio devastador, este domingo de madrugada. Durante mais de seis horas, cerca de 70 bombeiros combateram as chamas, apoiados por reforços vindos de toda a península, enquanto uma espessa coluna de fumo negro manchava o horizonte da cidade. O Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, que saíra de Pretória, a sede do poder executivo, para fazer o seu discurso do estado da nação ao Parlamento, viu-se obrigado a mudar de planos.
A tragédia levou ao colapso do telhado decorado deste edifício histórico, com uma característica fachada branca e vermelha, onde o Presidente Frederik Willem de Klerk declarou o fim do regime de Apartheid, em 1990. E as paredes apresentam fraturas preocupantes, causadas pelo calor, avançou o jornal sul-africano Mail and Guardian. Há grande receio quanto à cave do edificio, recheada de artefactos como o rascunho do hino nacional, bem como em relação à biblioteca, aparentemente poupada pelas chamas, mas que pode ter sofrido danos devido à água.
“É muito claro que este fogo devastou o recinto do Parlamento e os seus conteúdos e espólio, incluindo tesouros históricos da herança do Parlamento”, reagiu Ramaphosa, em comunicado. “Isto é devastador, acontecendo um dia depois da nossa última despedida do arcebispo Desmond Tutu”, lamentou, referindo-se a um dos mais destacados símbolos da luta contra o Apartheid, falecido na passada semana, aos 90 anos.
Enquanto o Parlamento ardia, um caixão barato com os restos mortais de Tutu era enterrado, seguindo as instruções do arcebispo, famoso pela sua modéstia. O corpo de Tutu, que também se destacou na luta por causas ecologistas, foi “aquamado”, um método de cremação considerado mais sustentável, em que o falecido é colocado em água com uma substância alcalina, a cerca de 150 ºC. O corpo transforma-se em pó, num banho comparado a um batismo póstumo por alguns.
Acidente ou fogo posto? Um homem de 51 anos foi detido e está a ser interrogado, anunciaram as autoridades sul-africanas. Um inquérito preliminar indica que o incêndio terá começado numa área de escritórios, no terceiro andar da ala mais antiga do Parlamento, e alastrado na direção de um ginásio.
“Até ao momento em que haja um relatório feito de que houve fogo posto, temos de ser cuidadosos para não fazer sugestões de que houve um ataque”, acautelou a presidente do Parlamento sul-africano, Nosiviwe Mapisa-Nqakula.
A África do Sul vive um momento político explosivo. Ainda em julho enfrentou motins e saques generalizados, no rescaldo dos protestos pela libertação do antigo Presidente Jacob Zuma, condenado a 15 meses de prisão por desrespeito ao tribunal quando era julgado por corrupção.
Zuma mantém um ódio visceral contra Ramaphosa, seu antigo vice. Na altura dos motins de julho, a imprensa sul-africana estava cheia de relatos de que apoiantes do antigo Presidente, muitos oriundos dos serviços secretos e forças de segurança, levaram a cabo atos de sabotagem, incentivando ao caos como retaliação pela sua condenação na justiça.