"Por ordem do tribunal, estão com ela. Se recusássemos, podíamos ficar sem eles definitivamente ou sofrer queixas criminais", começa por explicar Mafalda Rosado, em declarações ao Nascer do SOL, referindo-se aos sobrinhos Gabriel, de três anos, e Rafael, de um, fruto da relação do filho do padrasto – que considera seu irmão -, de 30 anos, com uma jovem de 26.
"Ele e a minha mãe estão juntos há 16 anos, portanto, não são meus sobrinhos de sangue, mas é como se fossem", diz a jovem de 24 anos que decidiu partilhar o calvário que a família está a viver – em primeira instância, com a ativista Francisca de Magalhães Barros -, principalmente desde ontem, por não saber o que fazer para proteger as duas crianças que, até sábado, estarão com a progenitora, "que faz drogas pesadas", enquanto o pai "é mais de ganzas".
"Eles estiveram juntos três anos e separaram-se há um. Daí veio a confusão toda que deu origem a este problema. O Rafael fez ontem 16 meses e o Gabriel tem três anos. Estiveram com os pais, mas nunca ficaram permanentemente com eles, não pernoitaram, e havia sempre vigilância durante as visitas", elucida, acrescentando que, esta terça-feira à tarde, a família foi contactada pelo Tribunal do Seixal para ter conhecimento de que a mãe de Gabriel e Rafael fizera um pedido para ficar com os meninos até domingo e o mesmo havia sido aceite por um juiz.
"Ela chegou, pegou neles e foi-se logo embora. Não têm uma relação minimamente próxima. O Gabriel disse 'Sai, sai, sai' quando a viu", adianta a rapariga que elucida que o irmão "nunca ficou revoltado", sendo que "está confortável com a situação porque não tem de ter responsabilidades" tendo em conta que a guarda das crianças foi entregue ao padrasto e à mãe de Mafalda.
"A última vez que ficou sozinha com eles foi em novembro e durante umas horas. A seguir, viu-os por volta de cinco minutos no final desse mês ou no início de dezembro, já não consigo precisar. É que esteve sete meses sem os ver e sem dizer nada", afirma a rapariga que vive com os familiares em Pinhal de Frades.
"Não sabemos onde ela vive ao certo porque não quis que a morada dela fosse conhecida. Não sabemos sequer onde os meninos estão", declara Mafalda, recordando os dias em que tanto Gabriel como Rafael estavam perto de si. "Somos quatro filhos da minha mãe, já todos adultos, então, vamos revezando-nos para tomar conta deles. O Gabriel nasceu com 24 semanas e não temos a certeza ainda 100% certeza dos motivos. Não nos dizem para não piorar o caso dela", refere, clarificando que a toxicodependência da progenitora não foi em nada benéfica para a criança, pois "os pulmões não estavam desenvolvidos e tem problemas respiratórios", sendo que "toma comprimidos para o coração porque já teve três paragens cardiorrespiratórias, esteve em coma e ventilado".
A saúde de Gabriel deteriorou-se porque, até ao ano passado, passava algum tempo com os pais e estes não lhe davam a medicação prescrita pelos médicos."No ano passado, apareceram aqui três assistentes sociais e disseram que ficávamos com o Rafael ou teriam de o levar para uma instituição. Como é óbvio, ficámos com ele: é uma criança, não é um brinquedo", constata, acrescentando que Rafael, que mal conhece a mãe, poderá ter sido agredido pela mesma aos apenas cinco meses de idade.
"Ela diz que desmaiou e o menino caiu porque estava ao colo dela, mas quem olha para a cara dele na foto… Vê-se claramente a marca de uma mão", indica, lembrando que, com a mãe, acompanhou a mãe dos meninos a um posto médico. "Foi-se embora, deixou o filho connosco e nem sequer avisou. Entretanto, mandaram-no do posto médico para o hospital, mas, agora, passado quase um ano, entrei numa consulta e a médica que o viu na altura disse 'Estás tão grande! Vi-te da última vez quando supostamente caíste do colo da tua mãe'. Isto não é muito imparcial", desabafa, não escondendo que, na sua ótica, Gabriel mostra ter medo da mãe. "Ele encolhe-se e, se ouve falar do nome da mãe, fica parado, quase congela" e Rafael "chora quando a vê".
Por outro lado, Rafael nasceu prematuramente também, porém, de 32 semanas, não padecendo de quaisquer problemas de saúde. Os dois têm dois irmãos, pois tanto a mãe como o pai já tinham um filho de relacionamentos anteriores.
"Graças a Deus, eles também são bem tratados porque estão com os outros progenitores". Aquilo que Mafalda mais teme é o facto de que a mãe dos sobrinhos, cujo nome não pretende revelar, age de forma negligente com os mesmos. "Ainda não tinham passado quase três horas e ela já estava a ligar a atormentar a minha mãe. Só quis levar a medicação e nós sabemos que eles estão habituados às mantinhas, aos brinquedos, etc. E ela disse que queria a capa de uma das bombas do Gabriel. De uma que ele não toma. A minha mãe mandou por prevenção. Ela não tem noção de nada. O menino estava super bem, não ficaria tão mal naquele curto espaço de tempo", raciocina, frisando que "o menino tem de fazer oxigénio durante a noite e ela não levou nada. O hospital já tinha dito que ele não pode pernoitar fora de casa! A própria assistente social disse que não sabia que ela tinha feito o pedido ao tribunal para ficar com eles estes quatro dias".
Na última nota de alta de Gabriel, à qual o Nascer do SOL teve acesso, é possível ler que, após 31 dias de internamento, foi para casa com as seguintes recomendações: "Mantém oxigenoterapia suplementar com O2 por óculos nasais a 0,5L/min 24h por dia. Mantém terapêutica com: Fluticasona, Budosenida nasal, Bosentan 32mg, Hidroclorotiazida + espironolactona 12 mg e Salbutamol de acordo com sinais de dificuldade respiratória".
Continuando que tanto ela como a mãe, o padrasto e as irmãs fazem "tudo bem" e tentam "manter a mesma postura", não "respondendo mal nem ofendendo" a mulher de 26 anos, não oculta que quer distância da pessoa em questão. "Não tenho paciência para interações com ela. Por mim, nem via os meninos".
Segundo informação veiculada por Mafalda, fora estipulado judicialmente que, a partir do próximo dia 13, a progenitora teria o direito de ir ver os filhos à casa da família do antigo companheiro. No entanto, com a condição de que nunca estaria sozinha com os mesmos. "Desde que eles estão aqui, ficou combinado que os os pais tinham de lhes comprar, pelo menos, o leite. O pai deu durante os primeiros tempos e ela só uma vez. Ela diz sempre que tem direitos e que é a mãe deles", explicita, desabafando que a frase "andam todos a viver com o dinheiro dos meus filhos" é habitualmente proferida pela jovem.
"A primeira vez que recebemos dinheiro para eles foi no dia 23 de dezembro e é um apoio do tribunal. Ela continua a receber os abonos de família deles", reconhece, magoada. "Ela já mandou fotos ao meu padrasto e escreveu 'Eles estão bem é comigo!'. Não podemos fazer ou dizer nada porque somos condenados por tudo aquilo que façamos. Ela é que fez a asneira e nós é que estamos quase 'presos'".
"A mãe dela tem muitos conhecimentos: nunca quis ficar com os netos e, quando aparece, só faz estragos. Nós estamos aqui o ano inteiro a tratar deles e vem uma pessoa que não quer saber dos netos 'mexer os cordelinhos'. Será que não percebe que a filha não é psicologicamente estável?", questiona. "É uma grande confusão e os meninos estão metidos no meio disto sem terem culpa nenhuma", sublinha, evidenciando que Gabriel é acompanhado em consultas de desenvolvimento num instituto no Seixal e seguido em várias especialidades, como a de Cardiologia e a de Pneumologia, no Hospital Garcia de Orta.
"Temos muito medo de que ela não lhe dê os medicamentos", realça novamente, contando que, depois de serem aconselhados pela assistente social, decidiram tirar-lhes fotografias antes de ficarem com a mãe. "Está tudo documentado, até a pele, porque se eles aparecerem com marcas… Podemos provar que não estavam assim quando saíram daqui", aponta. "Ela fez queixa do meu irmão, acusou-o de rapto, explicou que os meninos estavam connosco porque ele lhos tinha tirado. Mas aí ele respondeu que nós temos a guarda deles. Ela até queria dar o menino mais novo para adoção".
Acerca do pai de Gabriel e Rafael, assevera que "vive sozinho, mas aparece durante uma hora ou pouco mais e depois vai embora", no entanto, "quando está sob influência de alguma substância, é complicado". "Não o tratamos mal, muito menos em frente aos meninos. Ao contrário daquilo que acontece com a mãe, começam aos pulos quando veem o pai, ficam muito contentes. Só queríamos perceber como é que o juiz permitiu que as crianças fossem para ao pé dela e, como é óbvio, que estivessem connosco porque não confiamos nela nem por um segundo que seja", destaca. "Precisamos de segurança e de não andar sempre com o coração nas mãos".
"Foi mais um caso extremamente grave de negligência que me chegou, em que crianças são entregues a quem já lhes pôs a vida em risco e não têm capacidade para se defender", lamenta a ativista dos direitos humanos Francisca de Magalhães Barros. "Aqui a pergunta é: se acontecer alguma coisa a estas crianças, ficamos mais uma vez a olhar? Não se focam no tratamento desta progenitora. E metem crianças que estão com familiares estáveis em em risco, quando estes progenitores não têm aparentemente qualquer capacidade para ficar com elas. Entro em 2022 completamente de luto e em luta por todas as crianças e mulheres que sofrem destes flagelos".