O pedido de parecer à PGR por parte do Governo, com o objetivo de perceber se o isolamento no âmbito da covid-19 impede o exercício do direito de voto, ou se este regime poderá ser suspenso para que os portugueses nessa situação possam exercer esse direito, abriu a porta a várias críticas e sugestões. Entre elas está avançar com legislação sobre o eventual voto antecipado (que Eduardo Ferro Rodrigues afastou, devido à dissolução do Parlamento), ou alterar as regras de isolamento decretadas pela Direção-Geral da Saúde, que a Associação de Médicos de Saúde Pública diz que poderá abrir um “precedente algo perigoso”, em declarações à TSF.
Na mesma linha de raciocínio esteve o constitucionalista Paulo Otero, que alertou, em declarações ao i, para o facto de, no caso de o regime de isolamento vir a ser levantado, poder passar a estar em causa um problema de saúde pública “relativamente aos outros eleitores que vão votar na mesma altura, ou aos membros das mesas de voto”. “É estranho, quando, ainda há alguns meses, tivemos limitações a sair de casa, com regras de confinamento geral em nome da saúde pública, e com uma quantidade de novos casos muito menor do que agora”, criticou o constitucionalista, antes de questionar: “É agora, no pico da pandemia, que se vai abrandar as regras de isolamento de quem está infetado?”
Palavras duras de Paulo Otero, que alertou para a impossibilidade de, atualmente, se poder legislar sobre matéria eleitoral. “A Comissão Permanente (CP) da Assembleia da República (AR) não tem competência legislativa. Todavia, a CP, ou o PR, podem convocar, extraordinariamente, uma Assembleia da República, mesmo dissolvida, já que o termo do mandato dos deputados só termina com a tomada de posse dos novos deputados que vierem a ser eleitos. Há, no entanto, um limite intransponível: é que, durante o decurso do processo eleitoral, não é possível alterar a lei eleitoral.”
Teoricamente, aclarou Paulo Otero, “o Parlamento poderia reunir para legislar, atendendo às circunstâncias excecionais”, mas, ainda assim, “nunca essa legislação poderia incidir sobre matéria de natureza eleitoral, como é o caso”. O constitucionalista aproveitou, ainda, para lamentar que “depois de dois anos em pandemia, o Parlamento já poderia, e deveria, ter elaborado uma lei de emergência sanitária que previsse estas situações”.
O constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia, por sua vez, avançou, ao i, que não deverá haver qualquer alteração à lei eleitoral, mas que o Governo “devia alterar as regras do confinamento, acrescentando mais esta alteração” relativa ao exercício do direito ao voto. “É possível alterar a resolução do estado de calamidade, acrescentando esta exceção, mas não é possível alterar a legislação eleitoral de voto antecipado e doméstico”, aclarou o constitucionalista.
partidos alertam Os dados da pandemia da covid-19 puseram os partidos políticos em alerta sobre o possível aumento da abstenção nas próximas eleições autárquicas, e prontamente as estruturas políticas nacionais apresentaram propostas e alertas para evitar esta realidade. A Iniciativa Liberal, por exemplo, alertou que “com 4 a 12% dos portugueses em isolamento, vai ser muito difícil ter resultados credíveis” nas legislativas, palavras de Rui Rocha, cabeça de lista dos liberais pelo círculo eleitoral de Braga.
“É preciso perceber quem pode, e quem não pode votar. Pessoas que não estão infetadas vão, ou não vão ser impedidas de votar nas eleições de dia 30?”, questionou o liberal.
Também em reação à reunião do Infarmed, José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto do PS, realçou os “esforços” do Governo para “compatibilizar” o direito ao voto e a atual situação da saúde pública em Portugal. “O que é previsível é que haja um aumento previsível do contágio e, havendo esse aumento, temos que acautelar como é que dia 30 de janeiro podemos exercer os nossos direitos eleitorais sem pormos em causa a Saúde Pública”, afirmou, desvalorizando que esta realidade possa afetar a abstenção, que, realçou, já era alta antes da pandemia da covid-19.