O desporto automóvel comporta luta, determinação e emoção, é assim desde o dia em que dois veículos motorizados se encontraram no mesmo percurso e compararam a sua velocidade e eficácia. Ao longo de 71 anos, a Fórmula 1 viveu de rivalidades épicas e lutas dramáticas, com o campeão do Mundo a ser encontrado na derradeira corrida.
O renascimento da Red Bull em 2021 permitiu a Max Verstappen derrotar o heptacampeão mundial Lewis Hamilton (Mercedes), o que pode significar o início de uma nova era na Fórmula 1. A luta foi intensa, a agressividade superou a pilotagem e o ano acabou em clima de guerra. As posições extremadas mexeram com sentimentos e despertaram manifestações racistas contra o piloto inglês. Nunca antes visto!
Verstappen tem uma condução agressiva e é duro com os outros pilotos, empurrar os adversários para fora de pista é normal para o neerlandês, mas o que se viu na Arábia Saudita e Abu Dhabi ultrapassou os limites. As duas últimas corridas viraram um barril de pólvora que estoirou devido à inépcia da FIA. As medidas erráticas da direção de prova (é a mesma em todos grandes prémios) contribuíram para um final de campeonato que foi a negação do espírito original da Fórmula 1, onde os melhores ganham sem ajudas externas. É no braço que se chega a campeão do Mundo e não com queixinhas. A geração digital pode ter gostado do que viu, os puristas da Fórmula 1 não!
Fantásticos Rivais A maior (e melhor) rivalidade na história da Fórmula 1 aconteceu entre Ayrton Senna e Alain Prost. As lutas titânicas entre dois dos melhores pilotos de sempre e os incríveis jogos de bastidores duraram anos e levaram os fãs à loucura, se tivessem chegado ao grande ecrã seriam seguramente um êxito de bilheteira.
A audácia, rapidez e estilo de Senna tinham a oposição do “professor” Prost, calculista e eficaz. Depois de uma convivência tumultuosa na McLaren em 1988, o francês passou a exigir uma cláusula que impedia a contratação do brasileiro.
Em 1989, o título de Prost foi obtido fora de pista graças à intervenção do presidente da federação internacional, o também francês Jean-Marie Ballestre. Senna ganhou a corrida após colisão com Prost, que forçou claramente o contacto, mas viria a ser desclassificado do Grande Prémio do Japão por o seu carro ter sido empurrado pelos comissários de pista. Com essa artimanha, o título que deveria ter sido entregue a Senna foi parar às mãos de Prost. Depois do que aconteceu em Suzuka não havia mais código de honra e a rivalidade tornou-se doentia, os dois pilotos apenas queriam a destruição do outro.
A vingança serviu-se fria em 1990, novamente no Japão. Senna foi mais rápido do que Prost nos treinos cronometrados, mas a organização obrigou-o a largar da parte suja da pista, onde a aderência é menor, favorecendo o francês que saía do lado limpo. Vencido, mas não convencido, Senna avisou que iria fazer tudo para chegar à primeira curva à frente, só que o plano do brasileiro era diferente e, pura e simplesmente, fez pontaria ao Ferrari de Prost, acabando os dois por sair de pista a 250 km/h! Foi dos momentos mais controversos da história da Fórmula 1. Apesar da desistência, Senna conquistou o segundo título mundial. Senna e Prost foram feitos um para o outro. Foi uma rivalidade movida por ódio, admiração e medo do talento oposto. A reconciliação viria a acontecer no final de 1993 com um abraço entre os dois eternos rivais naquela que foi a última corrida de Prost.
Nos anos 80, a rivalidade interna na Williams entre Nelson Piquet e Nigel Mansell tomou contornos de alguma agressividade. O brasileiro chegou à equipa com a moral em alta após ter ganho dois títulos mundiais, mas encontrou forte oposição do inglês, que era considerado “prata da casa” pela equipa inglesa. Os pilotos, pura e simplesmente, não se toleravam e trocavam frequentemente farpas nas pistas e fora delas. Foi nesse clima que decidiram o título mundial de 1987.
Durante todo o ano Piquet utilizou o seu maior conhecimento mecânico (quando estava na Fórmula 3 assistia o seu próprio carro) para criar artimanhas e vencer o rival que era considerado “um tonto sem educação”. Já Mansell era perito em dramatizar e tinha comportamentos infantis, era assim que a imprensa o via. Na penúltima prova do ano, no Japão, a rivalidade chegaria ao fim. Mansell bateu forte nos treinos cronometrados e ficou de fora da corrida, entregando o título de bandeja a Piquet. Começou aqui a fama de “pé-frio” do britânico, que só terminaria em 1992 com a conquista do mundial.
Playboy campeão Recuando no tempo até 1976, a luta entre o playboy James Hunt (McLaren), dotado de um talento nato, e o cerebral Niki Lauda (Ferrari) fez história e até deu origem ao interessante filme Rush. Era a época mais perigosa e com maior glamour da Fórmula 1. Os pilotos e, sobretudo, os diretores desportivos passaram a temporada a trocar mimos, a rivalidade entre a fleumática equipa inglesa e a muito italiana Ferrari era enorme. Lauda fez um início de campeonato fantástico, mas tudo mudou com o grave acidente no circuito de Nurburgring que quase lhe custou a vida (o seu estado de saúde era tão frágil que recebeu a Extrema Unção). Passadas seis semanas, estava de novo ao volante do Ferrari, embora desfigurado devido às queimaduras sofridas na cara e no corpo.
O título foi decidido na última corrida, no Japão, disputada no meio de um dilúvio. Após duas voltas, Lauda considerou que as condições eram demasiado perigosas e abandonou a corrida. Hunt precisava de terminar em terceiro para ser campeão do Mundo, mas só nos derradeiros metros da última volta conseguiu chegar ao pódio e garantir o título com um ponto de avanço. Este foi, sem dúvida, o duelo mais intenso e com maior desportivismo na história da Fórmula 1.