Rui Moreira foi absolvido no caso Selminho e, por isso, vai continuar como presidente da Câmara Municipal do Porto. O autarca estava acusado de prevaricação por suspeitas de ter favorecido a imobiliária Selminho – que era da sua família e da qual também era sócio – em prejuízo do município a que preside.
O autarca do Porto já reagiu à absolvição e afirma nunca ter tido dúvidas de que este seria o desfecho: «Não tinha dúvidas de que um dia este desfecho viria. Gostava que tivesse decorrido mais cedo, pelos vistos o Ministério Público ainda não se conforma, mas faremos uma declaração logo», frisou à margem da leitura do acórdão, no Tribunal de São João Novo. E garantiu sentir-se «aliviado».
Mais tarde, numa conferência de imprensa, Rui Moreira disse não ter dúvidas que este processo «foi sempre político» ainda que não o tenha sido «na sua origem». «Transformou-se há quatro anos, altura em que houve uma campanha eleitoral. Depois o assunto foi apagado pelo MP e aconteceu agora outra vez. Já não tenho idade para acreditar no pai natal ou em acasos», E acrescentou: «O Ministério Público não conseguiu provar que Rui Moreira tenha influenciado a resolução do acordo entre a Câmara Municipal do Porto e a Selminho».
Mostrando-se feliz com a decisão, lembrou que o caso remonta a 2005 quando só entrou na autarquia em 2013 e que, por isso, as acusações não tinham «qualquer fundamento», salientando que sempre «acreditei na justiça portuguesa, sempre respeitei nas decisões dos tribunais mesmo quando senti que estava a ser injustiçado», admitindo, no entanto, que sofreu «muito». E foi mais longe: «Eu, a minha família e os meus amigos. Sofreram muitos portuenses». O autarca não tem dúvidas: «Foi reparada a minha honra e desfeita qualquer dúvida que pudesse existir».
Rui Moreira foi absolvido porque, no entender do tribunal, o Ministério Público não conseguiu provar que o autarca portuense influenciou a resolução do acordo entre a Câmara do Porto e a Selminho. Na leitura do acórdão, que decorreu esta sexta-feira, a presidente do coletivo de juízes, Ângela Reguengo, disse que, em julgamento, não ficou provado que o autarca tenha dado instruções ou agido com o propósito de beneficiar a Selminho.
Na prática, a acusação não conseguiu provar «que o município inverteu completamente a sua posição» quanto ao futuro do terreno que está na origem deste processo.
«O tribunal ficou com a convicção de que os serviços da autarquia envolvidos não tinham a menor dúvida de que o acordo com a Selminho era o que melhor defendia os interesses do município», refere o acórdão. E acrescenta: «Perante o exposto, resulta a manifesta falta de prova».
MP inconformado
O procurador Luís Carvalho pediu a palavra à juíza presidente e garantiu «não se conformar» com a decisão, razão pela qual anunciou que vai interpor recurso para o Tribunal da Relação do Porto.
As reações à decisão desta sexta-feira não tardaram e foram muitas.
Uma delas partiu do vereador do PS na Câmara do Porto, que realçou que «qualquer decisão deve ser respeitada» e que o partido se recusa a fazer deste caso «um tema de arremesso». «O PS, na campanha eleitoral [para as eleições autárquicas], e antes da campanha eleitoral, adotou uma posição neutra, de respeito pela separação de poderes entre o que é da justiça e o que é da vida política, e da vida político-partidária, da vida dos titulares de cargos públicos», disse à Lusa. E acrescentou: «Neste momento, mantemos essa posição, qualquer decisão deve ser respeitada pelo poder político, no âmbito e espírito da separação de poderes e é nesse sentido que respeitamos e registamos a decisão».
Já o advogado do presidente da Câmara do Porto acusou o procurador de show off e classificou a atuação do MP como «uma vergonha», por não ter a «hombridade» de ponderar na decisão antes de anunciar que avança com o recurso. «O que hoje assistimos aqui é uma vergonha. Pelo menos o Ministério Público poderia ter a hombridade de ponderar, ler, verificar», disse. E continuou as acusações: «Quis fazer um show off de vos [aos jornalistas] comunicar que iria interpor recurso. Com todo o respeito, é uma vergonha que um procurador atue deste forma», disse Tiago Rodrigues Bastos.
«Não podemos deixar de ficar contentes quando é o tribunal que diz que alguém que exerce funções tão importantes como Rui Moreira exerce não cometeu nenhuma infidelidade ao seu cargo, devia de nos deixar a todos contentes», acrescentou.
Por seu turno, a vereadora da Câmara do Porto da CDU, Ilda Figueiredo, disse ser preciso confiar nos tribunais: «Era com toda a calma que esperávamos pelo resultado. Naturalmente, o resultado é este, confiamos nas decisões dos tribunais».
Também Francisco Rodrigues dos Santos, líder do CDS e Cotrim Figueiredo, líder do Iniciativa Liberal se mostraram satisfeitos com a absolvição.
O que estava em jogo
O presidente da Câmara do Porto teve de responder em tribunal no âmbito do caso Selminho, acusado de agir em benefício da imobiliária com o mesmo nome – à qual tem ligações familiares – em detrimento do interesse municipal. A decisão de levar Moreira a tribunal parte do Tribunal de Instrução Criminal – a juíza Maria Antónia Ribeiro confirmou a acusação de Moreira «nos exatos termos» do Ministério Público. Concluiu ainda o Tribunal de Instrução Criminal do Porto que seria «solidamente previsível que, se submetido a julgamento», viesse «a ser aplicada ao arguido, em função da prova recolhida nos autos, uma sanção penal», à qual o Ministério Público ainda sugeria que fosse acrescentada a perda de mandato – o que acabou por não acontecer.
Moreira foi acusado de um crime de prevaricação, em concurso aparente com um crime de abuso de poder, considerando o MP que o autarca agiu «em seu benefício e da empresa da família», e fê-lo «contra a lei».
A questão prendia-se com um terreno na escarpa da Arrábida, no Porto, onde a imobiliária detida por familiares do autarca pretendia avançar com um empreendimento com vista para o rio Douro, que resultou num litígio entre a imobiliária e a própria autarquia, iniciado em 2005.
Após a tomada de posse de Rui Moreira, em 2013, na perspectiva do MP sufragada pela juíza de instrução criminal Maria Antónia Ribeiro, mas que agora decaiu em tribunal de primeira instância, o autarca envolveu-se nos processos judiciais e administrativos de litígio entre a autarquia e a imobiliária, mudando a posição da Câmara após a chegada ao poder.
O autarca acabou por se declarar impedido de atuar neste caso por conflito de interesses, mas, acusa o MP, os negócios entre as duas partes foram feitos antes que Guilhermina Rego, vice-presidente à época, assumisse a posição da autarquia neste caso. Quando foi acusado, Rui Moreira disse que a acusação foi «completamente descabida e infundada».
«Esta acusação é muito estranha, tanto no conteúdo como no momento em que é deduzida, mas estou absolutamente tranquilo e não deixarei de tudo fazer para que sejam apuradas todas as responsabilidades», acrescentou.
O autarca independente sublinhou, nessa altura, que só teve acesso ao processo nessa altura e que «os factos agora usados são exatamente os mesmos que já tinham sido analisados pelo Ministério Público que, em meados de 2017, considerou não existir qualquer ilicitude», tendo o caso sido arquivado na altura.
O autarca não falhou a nenhuma das sessões de julgamento, que arrancou a 16 de novembro do ano passado, e chegou a assumir em tribunal ter sido «incauto» ao assinar uma procuração a um advogado para representar o município no litígio que mantinha com a Selminho, o que veio a permitir que as partes chegassem a um acordo. E disse ainda que o fez por indicação de Azeredo Lopes, seu antigo chefe de gabinete.
Recorde-se que Rui Moreira foi reeleito presidente da Câmara do Porto nas autárquicas de setembro de 2021, não se tendo furtado nunca a responder sobre este caso mesmo durante a campanha eleitoral.