O Tribunal de Santarém vai começar a julgar, na próxima qiarta-feira, a proprietária de um lar ilegal em Torres Novas, acusada de manter uma idosa morta durante, pelo menos, 12 dias, num quarto no qual dormiam outras duas pessoas.
De acordo com o processo, consultado pela agência Lusa, a arguida, que se encontra em prisão preventiva desde março do ano passado, manteve uma idosa de 90 anos morta durante, pelo menos, 12 dias, no mesmo quarto em que dormiam outras duas mulheres entregues ao seu cuidado, e não comunicou a morte de uma outra.
A mulher de 41 anos é acusada pelo Ministério Público da prática de quatro crimes de maus-tratos, dois deles agravados, e um crime de profanação de cadáver.
A situação foi descoberta a 2 de março de 2021 pelo neto da idosa, que acionou o 112 e a GNR, tendo estes constatado um "forte odor cadavérico" no quarto onde dormiam três das quatro idosas que se encontravam no apartamento, duas das quais "passaram, no mínimo, 12 noites no mesmo quarto que o cadáver".
A idosa terá sido levada para o apartamento a 4 de janeiro de 2021, devido ao encerramento da casa de acolhimento onde se encontrava, tendo o neto decidido, no dia 13 desse mês, procurar uma alternativa por encontrar a avó muito prostrada, refere a acusação do Ministério Público (MP).
Depois de encontrar uma vaga num lar no Entroncamento, o neto avisou a proprietária de que iria uma técnica fazer o teste covid-19 à avó no dia 1 de março e que a iria buscar no dia seguinte.
A investigação da Polícia Judiciária veio depois confirmar que o teste foi feito a uma outra idosa que faleceu entre os dias 2 e 3 de março e cuja morte também não foi comunicada às autoridades ou à família.
No dia combinado para ir buscar a avó, a proprietária só atendeu o intercomunicador depois de muita insistência, para dizer que a idosa tinha tido uma quebra de tensão e que aguardava a chegada de um médico.
Perante a insistência do neto, acabou por abrir a porta, advertindo que a idosa tinha ficado perturbada com a notícia de que iria mudar de lar e que se tinha tapado com a roupa da cama até à cabeça.
Quando entrou no quarto, o neto da vítima percebeu o odor e verificou que a avó estava morta, tendo ligado de imediato para o 112.
Quando foi observada no hospital, a vítima apresentava-se em estado de decomposição e aparente esqueletização, estando mumificada na face, no pescoço e nas mãos, refere o processo, tendo a autópsia, realizada a 4 de março, confirmado "sinais inequívocos" de que a morte não ocorreu a 2 de março, mas pelo menos 12 dias antes.
De acordo com a acusação, a vítima (a quem havia sido feito o teste covid pedido pelo neto da outra idosa) morreu, "em data não concretamente apurada", entre as 10:00 do dia 1 de março e o dia 3.
A acusação indica ainda que, no dia em que o neto da primeira vítima chamou os bombeiros e a GNR, a proprietária escondeu o corpo da outra mulher, pois não estava nem na sala nem nos quartos. O corpo apresentava feridas e escaras com diferentes estados de evolução e a idosa estava emagrecida e com sinais de desnutrição.
A arguida, que recebia 600 euros mensais de casa idosa, mais fraldas e medicamentos, é acusada de não ter equipamentos adequados, como colchão, roupa anti escaras e equipamentos para dar banho – uma vez que a única banhiera existente estava cheia de roupa suja no dia 3 de março – nem qualquer contrato para prestação de cuidados médicos e de enfermagem.
O MP refere ainda que a arguida não alimentava as idosas de forma conveniente tendo, no dia 3 de março, apenas uma sopa aguada para lhes servir. A acusação refere que as idosas não eram alimentadas a horas certas e que não existiam produtos frescos, carne ou peixe, sendo que, naquele mesmo dia, o frigorífico tinha apenas ovos, leite, queijo e molhos, sendo a alimentação feita à base de sopas de leite com pão e sopas de legumes.
As duas idosas faleceram sem ter sido vistas por um médico e não havendo registo de que alguma vez tinham sido acompanhadas por um profissional de saúde, tendo falecido por falta de cuidados médicos e de alimentação adequada, concluindo o MP que a arguida violou os deveres a que estava obrigada.
Afirmando que a mulher atuou de forma livre, voluntária e conscientemente, a acusação sublinha que quis ocultar e esconder o cadáver, o qual manteve tapado na cama onde dormia, ao lado de outras duas idosas, por, pelo menos, 12 dias.