Por Joana Mourão Carvalho e José Miguel Pires
Catarina lançou o isco e Costa mordeu
O BE ignorou as provocações do PS e arriscou um convite. Costa desistiu de hostilizar a Esquerda, mas não desvenda ‘mistério’ que opõe uma geringonça reeditada ao bloco central.
Ao oitavo dia de campanha – dia em que quase 286 mil eleitores votaram antecipadamente –, o repto de Catarina Martins pode muito bem ter virado a página nos desamores entre a Esquerda. «Digo ao dr. António Costa que o Bloco está disponível e o convida para que nos reunamos no dia 31, para trabalharmos uma agenda de medidas e metas para quatro anos», lançou a coordenadora do Bloco de Esquerda perante uma plateia com cerca de 500 militantes, no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa, no passado domingo.
Horas antes do comício bloquista, António Costa ainda parecia firme nas palavras: «Não aceito lições de Catarina Martins. O Bloco devia pedir desculpa por ter rompido com a unidade da Esquerda». Mas rapidamente virou o disco, ao manifestar, na manhã seguinte, a intenção de reunir não só com o BE como com todos os partidos, à exceção do Chega, reiterando que nunca fechou a porta aos bloquistas.
A reação do candidato do PS ao convite de Catarina Martins para uma reunião no dia seguinte às eleições foi entendida como um «nim», com a líder do Bloco a exigir clareza «porque todos temos de ter respostas claras, dizer ao que vimos nas eleições e como será o dia seguinte».
Na terça-feira, quando as sondagens apontavam para o PSD como partido mais votado, com a Esquerda a perder terreno para a Direita, Catarina pediu mobilização: «Se a Esquerda votar, seguramente que a Direita não será governo», disse numa ação de campanha em Vila de Prado, Braga. Também naquele distrito, Francisco Louçã entrou na campanha do Bloco para apelar ao voto na Esquerda, para mobilizar e «ser capaz de um compromisso urgente». O ex-líder do partido reforçou ainda o pedido de clareza a António Costa, exigindo uma resposta sobre o que quer fazer, afinal, caso vença as eleições este domingo. «O PS está engolido por um mistério: qual é a sua alternativa? Quer que os eleitores escolham sem dizer o que vai escolher?», questionou.
Com o aproximar da reta final da campanha, Catarina Martins aguçou os ataques à Direita, cujo programa «velho, caduco» não conquista uma «maioria social».
«Sabemos que haverá uma maioria à Esquerda, seja qual for o vencedor. O PS já reconhece que é preciso entendimentos. Resta saber se o diálogo será com PSD ou Bloco de Esquerda», afirmou em Almada, na quarta-feira.
Ironicamente, repete-se a fórmula com que nasceu a primeira geringonça em 2015. Contudo, esta segunda, a concretizar-se, pode já não ter como protagonista António Costa, que admitiu que se demitirá se perder as eleições. Na corrida à sucessão está Pedro Nuno Santos, até aqui defensor acérrimo da ‘geringonça’.
Rui Tavares, o ‘Útil’
O líder do Livre quer colocar o partido de volta no Parlamento e aposta em posicionar-se como o voto útil da Esquerda para afastar a Direita do poder.
O Livre quer regressar ao Parlamento e todas as suas fichas estão apostadas na ‘utilidade’. A campanha levada a cabo por Rui Tavares tem um objetivo claro: fazer entender aos portugueses que um voto no Livre é um voto para manter a Direita sem maioria na Assembleia da República.
Assim mesmo o defendeu o próprio líder do partido, enquanto viajava entre o Cais do Sodré, em Lisboa, e Cascais.
«É preciso ver que o voto no Livre é ele próprio um voto útil, tanto para impedir uma maioria de direita e um Rui Rio primeiro-ministro, como para levar à esquerda um sentido de compromisso e de diálogo que nos faltou», declarou Rui Tavares.
Ainda que haja uma inclinação geral para desvalorizar as sondagens que vão sendo publicadas à medida que se aproxima o dia das eleições legislativas, o tema nunca deixa de estar em cima da mesa e é pão nosso de cada dia nas ações de campanha dos diferentes candidatos, da esquerda à direita. Rui Tavares não foi exceção.
O líder do Livre, no entanto, deixou uma coisa clara, e aproveitou para criticar as restantes forças políticas que concorrem à Assembleia da República: o seu partido não «oscila» conforme as sondagens. Ainda assim, lado a lado com o antigo diretor-geral da Saúde, Francisco George, no Jardim Constantino, em Lisboa, Rui Tavares mostrou-se satisfeito com a abertura de António Costa para dialogar com a esquerda (após o mesmo ter falado em desejar maioria absoluta para o PS).
O Livre, no entanto, mantém a sua posição, garantiu Tavares, o que faz o voto nesse partido um «que não é só mais claro, é também mais seguro e por isso é mais útil».
Um trio comunista em uníssono
Depois dos sobressaltos de saúde de Jerónimo de Sousa e de João Ferreira, a última semana de campanha da CDU foi feita a três, com recados a Marcelo, Rio e Costa, e na procura da convergência à Esquerda.
No seu último dia de substituição do secretário-geral, João Oliveira não poupuu nos recados e, desta vez, o alvo não foi António Costa. «[O Presidente da República] há-de ter que fazer um balanço daquilo que foi o exercício das suas competências e responsabilidades considerando a resposta que que os portugueses derem» no dia 30 de janeiro, disse o líder parlamentar comunista, numa arruada em Beja, na segunda-feira.
Se o resultado eleitoral em urna apontar para uma maioria parlamentar de Esquerda, os comunistas esperam esclarecimentos de Marcelo. «Há uma necessidade de obrigatoriamente respeitar o resultado que decorre do voto dos portugueses no dia 30 de janeiro e há uma obrigação de respeitar a correlação de forças que existem na AR e as soluções que dali decorram», defendeu o cabeça de lista da CDU por Évora.
Depois de cumprido o isolamento de sete dias por causa da covid-19, João Ferreira voltou na terça-feira aos comandos da campanha da CDU, para passear de elétrico em Lisboa, visitar as oficinas de reparação de comboios no Entroncamento e animar uma plateia no centro cultural de Samora Correia com críticas à Direita e ao líder dos social-democratas. «Todos os deputados do PSD votaram contra a possibilidade de aumentar o salário mínimo nacional», atirou Ferreira, acusando Rui Rio de «hipocrisia» quando fala agora na hipótese de aumentar o salário mínimo nacional. Mostrou-se ainda satisfeito com a mudança no discurso do líder do PS, que começou a corrida das legislativas a acusar os parceiros da geringonça de «irresponsabilidade política» para agora assumir querer discutir com todos.
O regresso de João Ferreira antecipou um ainda mais aguardado: o de Jerónimo de Sousa, que retomou a agenda numa arruada na Baixa da Banheira, na quarta-feira. «Aqui estou porque é preciso», declarou. Mais tarde, num comício no Teatro Garcia de Resende, em Évora, o líder dos comunistas aproveitou para comentar a mudança de atitude dos socialistas. «O PS agora tenta emendar a mão e diz que está disponível para dialogar com quase todos. Resposta que disfarça mal a vontade de se encostar ao PSD a seguir às eleições. Essa aparente ambiguidade é tudo menos inocente», disse sem rodeios.
O PAN e o ataque à ‘desinformação’
Uma nova onda de polémica atingiu o PAN e o partido responde acusando uma onda de ‘desinformação’. No Bolhão, Sousa Real evitou as bancas do peixe e da carne.
A campanha do PAN enfrentou novo desafio na última semana de campanha, no seguimento de novas acusações a Inês Sousa Real – depois da polémica em torno das estufas, agora, a líder do PAN foi acusada de ter utilizado pesticidas numa das empresas de produção agrícola a que está ligada, bem como abelhas ‘estrangeiras’. O partido acusou uma campanha de ‘desinformação’, liderada pela Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) e por outras forças políticas. Sousa Real apontou o dedo à CAP, que diz não representar «os interesses dos pequenos e médios agricultores».
Mas uma gafe marcou também a campanha do PAN. Numa arruada, em declarações aos jornalistas, Inês Sousa Real recordou que o PAN, «ao contrário, até, de outras forças políticas, tem estado no interior do país», e a seguir passou a exemplificar, realçando que o partido esteve «noutras zonas, nomeadamente no Montijo». Um comentário que valeu à porta-voz do PAN várias sobrancelhas levantadas nas diferentes redes sociais.
Mas o ponto alto da polémica na campanha eleitoral do PAN durante esta semana foi a visita do partido ambientalista ao Mercado do Bolhão, no Porto. Por lá, Inês Sousa Real foi cumprimentando os vendedores, mas falhou as bancas do peixe e da carne. Um detalhe que não passou desapercebido aos olhares curiosos dos jornalistas… nem dos próprios comerciantes. «Se toda a gente votasse no PAN, eu não sobrevivia», dizia uma funcionária de um talho no mercado a norte do país, citada pela CNN.
Mas a porta-voz do PAN respeita: «Mesmo havendo uma visão diferente daquilo que é a necessidade de promover estilos de vida alimentares mais saudáveis, temos o maior respeito pelos comerciantes».
Durante esta semana, o PAN esclareceu também uma posição: não dará a mão ao PSD, caso este venha a ter apoio parlamentar do Chega. «Qualquer coligação que tenha uma força populista antidemocrática não contará com o apoio do PAN», defendeu Sousa Real, em declarações aos jornalistas após visitar uma escola em Braga. E mais, a porta-voz do PAN lamentou «profundamente que a maior força da oposição não tenha a consciência de que um Estado social de direito não dá as mãos ao populismo antidemocrático».
Recandidatura confirmada
Francisco Rodrigues dos Santos está tão ‘otimista’ de que o seu CDS vai ter um ‘bom resultado’ no domingo que antecipou a confirmação de que será recandidato à liderança do partido.
No dia em que completou dois anos de mandato, o presidente do CDS-PP anunciou que será recandidato à liderança do partido, estando convicto de que vai vencer o próximo congresso e que os centristas vão ter «um bom resultado» no domingo.
«Eu tenho a certeza absoluta de que nas eleições legislativas eu vou receber o presente por estes dois anos de liderança que tenho à frente do CDS, depois disso serei naturalmente recandidato ao próximo congresso e irei vencê-lo e continuar como presidente do partido e multiplicar estes aniversários por mais um bom par de anos, espero eu passados no Governo de Portugal», afirmou no final de uma visita à Feira dos Carvalhos, em Vila Nova de Gaia.
Questionado sobre se essa recandidatura é certa e não depende da análise dos resultados eleitorais, o líder centrista respondeu que é um «otimista». De sorriso na cara, a distribuir beijinhos e panfletos sobre a «via verde da Saúde», mostrou-se confiante de que «os resultados vão correr bem ao CDS» e, por essa razão, «os portugueses e o partido podem continuar a contar» com ele.
Já em Barcelos, na quinta-feira, CDS teve um novo significado: em vez de Centro Democrático Social a sigla passou a designar «Costa Deve Sair».
«O CDS tem a mesma designação de sempre, mas agora a sigla CDS pode ter outra interpretação. Para os portugueses entenderem bem, ‘Costa Deve Sair’. Todos os votos no CDS serão votos contra António Costa, o PS, a extrema-esquerda e o bloco central de interesses», garantiu.
Comentou ainda as declarações que tinha tecido no dia anterior sobre uma «guerra interna» no PS. «Pedro Nuno Santos recebeu, no distrito de Aveiro, António Costa, e discursou durante 15 minutos. E em nenhum momento citou ou referiu o candidato do PS a primeiro-ministro», destacou, considerando que «já se percebeu que o PS está a virar a página do Costismo, que vão perder as eleições e Pedro Nuno Santos já está preocupado com a transição de poder interna e também na oposição que fará ao próximo governo de Direita». Já sobre a Direita, Rodrigues dos Santos revelou a sua preocupação com o Chega. «Já todos percebemos que se o Chega tiver muitos votos António Costa estará mais perto de continuar como primeiro-ministro», referiu, apelando a que se olhe para o CDS como a «casa da direita certa».
IL e PSD em encontro fugaz
Liberais e sociais-democratas cruzaram-se na rua de Santa Catarina e ouviram-se apelos à união. Dos assuntos sérios ao viagra e à cerveja com apoiantes, o IL está em todas as frentes.
É certo que o Iniciativa Liberal tem métodos pouco ortodoxos de fazer passar a sua mensagem, mas a realidade é que o partido tem-se feito ouvir ao longo das últimas semanas. Entre assuntos sérios, e sendo um dos temas ‘bandeira’ dos liberais, João Cotrim Figueiredo foi até ao aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, ‘dar pancada’ na TAP.
Por lá, o líder liberal garantiu que, caso a IL venha a transformar-se em aliada de governação do PSD, a companhia será privatizada numa janela temporal de três a 12 meses. No mesmo dia, ainda no Porto mas na rua de Santa Catarina, liberais e sociais-democratas cruzaram-se e deu-se um bonito momento de quase amor à primeira vista. Os transeuntes gritavam «Colaborem, unam-se!», mas, tal qual um filme romântico de Hollywood, uma certa tensão no ar impediu que se desse o tão esperado beijo (figurativo). Cotrim Figueiredo e Salvador Malheiro, vice-presidente do PSD, ficaram-se por um cordial abraço, seguindo depois cada ‘marcha’ o seu caminho.
O líder liberal, no entanto, esfriou o ambiente e manteve os pés assentes na terra: «A IL não tentará negociar sem saber o mandato que leva dos portugueses», declarou, pouco depois de ter dito que queria ser o ‘viagra’ do PSD.
E mais, Cotrim Figueiredo fez questão de, à medida que pronunciava este desejo no programa Isto é Gozar com Quem Trabalha, mostrar às câmaras uma unidade do comprimido azul.
É aqui que entra o já conhecido humor das campanhas liberais. Para além da paródia com o medicamento, e dos cartazes paródicos que são caraterísticos deste partido, João Cotrim Figueiredo surgiu num vídeo partilhado efusivamente nas redes sociais a beber ‘de penálti’ um copo de cerveja numa zona de diversão noturna rodeado de pessoas.
Momentos caricatos da campanha liberal, que tem percorrido o país com várias propostas-bandeira, desde a privatização da TAP até à implementação de uma taxa única de IRS.
Ventura e Chega nas campanhas de todos
O Chega tem direito a duas campanhas eleitorais: a sua própria e a que os outros partidos fazem, insistentemente falando sobre quem fará ou não acordos com André Ventura.
Um tema é constante em praticamente todas as campanhas eleitorais prévias às eleições legislativas deste domingo: quem admite – ou não – fazer acordos com o Chega, uma vez conhecidos os resultados eleitorais.
O partido liderado por André Ventura, que quer ser a terceira força política em Portugal, tem feito campanha de Norte a Sul do país e tem marcado presença assídua nas campanhas dos restantes partidos. Durante a última semana, um dos momentos altos da campanha de Ventura prendeu-se com as suas promessas aos antigos combatentes. De farda vestida – apesar de nunca ter feito vida militar –, Ventura prometeu aos antigos combatentes uma pensão de, pelo menos, 200 euros por mês.
Ao décimo dia de campanha, no Algarve, nova polémica: a relação com a comunicação social azedou e vários militantes apontaram o dedo aos jornalistas, durante uma arruada, acusando-os de «receber dinheiro do Governo». Ventura deu às pernas para motivar os eleitores algarvios – literalmente, o líder do Chega deu um passeio de bicicleta em Vila Real de Santo António, e lá foi falando dos seus temas bandeira, entre eles o fim da corrupção e a diminuição dos cargos políticos.
Ventura e o seu chamativo aparato de segurança têm percorrido o país à procura dos votos necessários para o Chega ser a terceira força política e, consequentemente, causar fortes dores de cabeça àqueles que, agora, dizem não abrir a porta a negociações com o partido, caso queiram formar uma maioria na Assembleia da República. Vale ainda a pena realçar que, tal como António Costa vestiu uma samarra na visita a Beja, na semana passada, Ventura surgiu na Póvoa de Varzim com uma tradicional camisola poveira.
Nos últimos dias de campanha, André Ventura elevou o tom das suas críticas, apontando armas tanto ao PS de António Costa como ao PSD de Rui Rio.
Na noite de quarta-feira, num jantar-comício em Beja com cerca de 100 pessoas, Ventura tirou as armas grandes do bolso contra o PS: a corrupção. O líder do Chega falou da «canalha socialista», trazendo para a mesa o nome de José Sócrates e Armando Vara, que disse ser «o símbolo do pior que houve no nosso país, a promiscuidade entre a banca e a política». E, logo de seguida, fez questão de achegar Costa a Vara e Sócrates, dizendo que estes dois estão «mais perto do que nunca» do primeiro-ministro.
Já na outra ponta do espetro não faltaram também críticas. Ventura apontou o dedo a Rui Rio, dizendo que «não lhe falta vergonha na cara». Em causa estavam as palavras do líder do PSD, que considerou que um voto no Chega é um voto no PS. «Dizer que o Chega viabilizou projetos do PS é uma grande falta de vergonha na cara. Não vai convencer os portugueses», disparou Ventura em Beja.
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