O Fundo Monetário Internacional (FMI) voltou a fazer novas previsões sobre a economia mundial e foi obrigado a rever em baixas as suas perspetivas de crescimento. A culpa é, em grande parte, atribuída à variante Omicron que parece não dar tréguas.
Mas vamos a números. Segundo a entidade internacional, o crescimento da economia global deve baixar, este ano, dos 5,9% para os 4,4% – meio ponto percentual abaixo do que tinha sido apontado nas previsões de outono. Já em relação à zona euro, a previsão de crescimento para este ano foi revista em baixa para os 3,9% e deve abrandar para os 2,5% em 2023.
Ao Nascer do SOL, o economista do Banco Carregosa, Paulo Rosa analisa os dados e recorda que a revisão em baixa do crescimento económico da zona euro «foi menos acentuada que noutras geografias, nomeadamente nos EUA e na China, e foca-se, em parte, no primeiro trimestre devido à propagação da Omicron que limitou o levantamento das restrições». O economista destaca ainda que «a percentagem de vacinados contra a covid-19 na Europa é das mais elevadas do mundo e espera-se que na primavera a maior parte da população europeia tenha imunidade, natural ou através da vacinação, passando a pandemia de covid-19 a uma endemia».
Por isso, não tem dúvidas: «É esperado que a doença covid-19 não volte a penalizar a economia como o tem feito nos últimos dois anos».
Por seu turno, Henrique Tomé, analista da XTB, explica o que poderá ter levado a estes valores e à revisão em baixa: «Existem vários riscos que podem contribuir para um abrandamento no crescimento da economia, principalmente numa fase em que ainda existem constrangimentos em vários setores que prejudicam a produtividade», começa por explicar ao Nascer do SOL. Mas diz ser importante notar «que o boom inicial em torno do crescimento económico resultou também das quedas inesperadas do crescimento no passado, que resultaram das medidas de confinamento, bem como de todas as restrições provocadas pela pandemia».
O FMI reviu em baixa o crescimento para este ano mas reviu-o em alta para o ano seguinte. «O FMI espera que a pandemia, os bottlenecks e os preços da energia desacelerem ao longo do ano e enumera vários riscos no Outlook de janeiro que podem impactar a inflação e o produto, mas que devem abrandar à medida que o ano avança», relembra Paulo Rosa que diz que o surgimento de novas variantes de covid-19 «pode prolongar a pandemia e ditar mais restrições que penalizem a economia». A isto, juntam-se «interrupções na cadeia de suprimentos, a volatilidade dos preços da energia e as pressões salariais localizadas significam que a incerteza em torno da inflação e das trajetórias políticas é elevada».
O economista do Banco Carregosa alerta também para a subida das taxas de juro, que em muitas economias avançadas «aumenta os riscos de instabilidade financeira, nomeadamente mercados emergentes e economias em desenvolvimento ao nível dos fluxos de capital e evolução cambial das suas moedas». E recorda que, nos últimos anos, o aumento «significativo» do nível de dívida pública «pode criar dificuldades à sustentabilidade destas dívidas à medida que os juros sobem».
Já Henrique Tomé diz ser possível que a economia continue a desacelerar, principalmente no caso português «em que a economia continua fragilizada e muito dependente dos apoios externos».
Numa altura em que se assiste ao início da retirada de estímulos na economia americana, deixa um alerta: «As pressões para que a Europa siga com políticas monetárias mais restritivas podem comprometer ainda mais o crescimento económico da Zona Euro». E Henrique Tomé não tem dúvidas que «as previsões que apontam para uma desaceleração do crescimento económico devem ser levadas a sério e podem levar os líderes europeus a terem uma postura mais cautelosa sobre esta matéria».
‘Disrupções’ e ‘constrangimentos’
O Fundo explica que no caso da Zona Euro são as «disrupções» da pandemia e os prolongados «constrangimentos» na oferta que estão a condicionar a recuperação da economia.
Sobre este assunto, Paulo Rosa defende que «à medida que avançarmos no ano 2022, as dificuldades nas cadeias de abastecimento vão desaparecendo e o impacto na economia também. Se, realmente, a pandemia passar a endemia na primavera, o impacto na economia será mitigado e cada vez menor».
Uma opinião partilhada por Henrique Tomé ao garantir que «os constrangimentos nas cadeias de distribuição têm tido um forte impacto económico na Europa e na maior parte das economias». Mas, à medida que os países começarem a lidar de melhor forma com a situação pandémica, esperam-se sinais de melhoria. «O choque inicial entre a oferta e procura já foi ultrapassado, mas a normalidade só poderá ser retomada quando os surtos provocados pela pandemia estiverem controlados», defende.
E a economia portuguesa?
O FMI reviu em baixa o PIB de Espanha em 0,6 pp para 5,8% em 2022, mas corrigiu em alta de 1,2 pp para 3,8% em 2023. «As economias espanhola e portuguesa, em parte suportadas pela proximidade social e pelo turismo, têm sido bastante penalizadas pelas restrições e limitações à circulação de pessoas», começa por explicar Paulo Rosa que diz que a revisão em alta do PIB espanhol em 2023 «é a prova cabal de que a covid-19 possa passar a endemia, logo espera-se que o turismo regresse gradualmente aos níveis pré-covid e a economia espanhola e portuguesa continuem a recuperar».
O analista da XTB reforça ainda que a economia portuguesa «continua a crescer de forma modesta». E justifica: «A falta de apoios e de investimento por parte do Estado, bem como de iniciativas do lado privado, têm prejudicado o crescimento do país há vários anos». Por isso, garante, Portugal precisa de um plano «sério» de reformas «em vários setores com o intuito de aumentar a competitividade e produtividade, bem como estimular o setor privado na criação de riqueza».
E acusa: «Enquanto nada for feito, o país deverá permanecer dependente da Europa e numa posição frágil, sobretudo nesta altura em que as yields [rendimento] tendem a aumentar e Portugal apresenta um nível excessivo de dívida que representa cerca de 130% do PIB [Produto Interno Bruto]».
O problema da inflação
A inflação subiu em 2021, não se espera que desça em 2022 e, claro está, faz subir os preços. Segundo o FMI, só deverá acalmar em 2023.
Sobre este assunto, o economista do Banco Carregosa alerta que a inflação «já deu sinais de alguma desaceleração nos últimos números de dezembro nos EUA». Por isso, «à medida que o ano avança os números da inflação devem desacelerar, não só pela esperada gradual estabilização das cadeias de abastecimento, bem como pela subida das taxas de juro, nomeadamente nos EUA, que devem travar a subida dos preços no consumidor».
Mas, se a subida dos salários nos EUA permanecer, devido à escassez de mão de obra, «poderemos continuar a assistir a alguma inflação».
O FMI estima que a inflação suba ainda 5,9% em 2022 e 2,7% em 2023. Para a zona euro, a estimativa é de uma inflação de 3% em 2022 e 1,7% em 2023. «O FMI está claramente mais pessimista, mas no segundo semestre de 2022 ou o mais tardar em 2023 os preços devem regressar gradualmente para perto dos 2%», remata Paulo Rosa.
Para finalizar, Henrique Tomé alerta que, apesar de estar previsto um abrandamento para metade deste ano, «poderá não ser suficiente para provocar uma descida dos preços». E avisa que o aumento da inflação «poderá não ser apenas ‘transitório’ e poderá levar mais tempo do que se esperava até que seja possível colocar os níveis de inflação em níveis mais baixos, principalmente numa altura em que os preços das matérias-primas, como o petróleo, continuam a valorizar».