Por Joana Mourão Carvalho e José Miguel Pires
O PS mostra a sua força
Durante a última semana de campanha, os socialistas abriram, afinal, a porta às negociações à esquerda. Pedro Nuno Santos e Ana Catarina Mendes fizeram campanha de Norte a Sul, e a sucessão de Costa voltou à baila.
Na terça-feira, em Aveiro, Pedro Nuno Santos foi o único socialista que não incluiu António Costa no seu discurso e tornou-se numa das figuras mais acarinhadas desta campanha socialista, até porque a ação foi no seu distrito natal. O ministro das Infraestruturas, natural de São João da Madeira e um dos principais mentores e defensores da geringonça, voltou às raízes no seu discurso, disparando em direção a todos os que estão à sua direita, do PSD à IL, passando pelo CDS. De esquerda, pouco se falou, e o primeiro-ministro ficou de fora.
Pedro Nuno Santos é cabeça de lista por Aveiro e o principal nome apontado por muitos (incluindo por Rui Rio) como ‘fantasma’ da sucessão socialista ou do pós-costismo.
Vinte minutos de discurso bastaram para o candidato socialista. As críticas ferozes passearam por entre a proposta de Segurança Social do PSD, ou o cheque-ensino do CDS, e ainda a taxa única de IRS do Iniciativa Liberal. Do Bloco de Esquerda e do PCP – sobre quem choveram críticas na altura do chumbo do OE2022 – pouco ou nada se disse.
Costa ficou de fora do discurso, numa realidade diferente daquela que se viveu no dia 22, quando, em Espinho, o primeiro-ministro e Pedro Nuno Santos surgiam lado a lado, trocando elogios. Costa chegou a dizer que o ministro das Infraestruturas é «dos melhores» que tem na sua equipa. Na altura, Nuno Santos desvalorizava ser o ‘papão’ que Rio queria fazer de si, defendendo que «papão seria um Governo liderado pelo dr. Rui Rio».
Espelho meu, haverá melhor secretário-geral do que eu
Estas eleições legislativas servirão para escolher os deputados que vão preencher a Assembleia da República, mas, a curto ou médio prazo, podem também ser a primeira pedra de uma nova luta política: a sucessão socialista. E, recorde-se, Pedro Nuno Santos não é o único candidato. Mais a sul, Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS e antiga secretária-geral adjunta do partido, é também apontada por muitos como uma das principais alternativas ao aveirense para ocupar o lugar de António Costa, quando este o deixar.
E o timing não poderia ser melhor: o primeiro-ministro esteve, na quarta-feira, em Setúbal, onde fechou o plano de festas na companhia de Ana Catarina Mendes. Um dia com Nuno Santos, outro com a líder parlamentar, quase numa salomónica tentativa de não deixar perceber quem, afinal, o próprio considera ser o seu herdeiro político preferido.
A campanha no distrito de Setúbal subiu logo de tom na noite de quarta-feira, quando Ana Catarina Mendes acusou Rio de ser «um lobo vestido com pele de cordeiro» e de «dissimular» o seu programa político real. No pavilhão da Sociedade Filarmónica União Artística Piedense, em Almada, antecedendo o discurso final de António Costa, Ana Catarina Mendes teceu ataques ao PSD, argumentando que os portugueses não devem votar por um modelo de país onde «o salário mínimo e o salário médio não aumentam».
Mas não deixa de ser curioso que nesse mesmo discurso, e ao contrário de Pedro Nuno Santos, a líder parlamentar socialista não poupou os antigos companheiros de ‘geringonça’, ainda que não diretamente. Falando sobre os partidos que chumbaram a proposta de Orçamento do Estado para 2022, Ana Catarina Mendes disparou: «Alguém pôs os interesses partidários acima dos interesses do país».
Da maioria absoluta à negociação
António Costa arrancou a campanha eleitoral com um objetivo em mente: a maioria absoluta. O líder do PS não dava folga a futuras negociações, garantindo que a única solução governativa estável para Portugal residia numa maioria absoluta socialista na Assembleia da República. Na última semana de campanha, no entanto, e depois de Catarina Martins, coordenadora do BE, ter aberto a porta às negociações a 31 de janeiro, o discurso mudou. Agora, Costa agarrou-se à ideia de convergência – também defendida pela CDU – e o GPS socialista indica uma curva em direção às negociações à esquerda, procurando manter a maioria no Parlamento.
No mesmo comício em Almada, António Costa deixou isso claro: «O PS foi sempre o motor da concórdia nacional, o ponto de mobilização das diferentes forças», defendeu o primeiro-ministro, mostrando-se pronto para avançar com essas negociações «sem acrimónias e rancores».
Costa não quer que Portugal seja governado «às pinguinhas» durante os próximos quatro anos, e, para isso, pediu aos portugueses que ‘acabem’ com a crise política no país já no próximo domingo – leia-se: votem no PS.
No pós-revolução de Abril, o PS tinha um lema que ditava assim: ‘Quanto mais a luta aquece, mais força tem o PS’. E quando os indicadores apontaram para a recuperação do PSD, os socialistas tocaram a rebate e isso viu-se nestes últimos dias de campanha.
Rio desmonta ‘campanha negra’ de Costa
O líder dos sociais-democratas acusou o PS de fazer uma campanha assente na deturpação. E trancou a porta do gabinete a André Ventura, rejeitando negociar Orçamento com o Chega.
Nesta segunda semana de campanha eleitoral, uma coisa ficou clara: o «papão» da maioria absoluta preconizada pelo PS passou ao «papão» da Direita, com a Esquerda a mudar de alvo e a juntar-se em bloco para atacar o PSD, depois de António Costa ter aberto as negociações a todos os partidos, com exceção do Chega.
A estratégia, do BE ao PCP, mas sobretudo do PS, passou por acusar o líder social-democrata de esconder propositadamente medidas do seu programa por não conquistarem uma «maioria popular», assentando em quatro ideias: que Rio é contra o aumento do salário mínimo, quer pôr a classe média a pagar o SNS, quer privatizar a Segurança Social e «está refém» da extrema-direita.
A tensão acabou por escalar na quarta-feira, quando o PS fez circular um «vídeo truncado» nas redes sociais, com declarações de Rui Rio proferidas em 2020, quando se manifestou contra a subida do salário mínimo no ano de 2021.
Em duas publicações no Twitter, o presidente do PSD acusou o PS de «montar uma campanha negra» próxima de ser «passível de processo-crime». «É compreensível que o PSD seja criticado à direita e à esquerda, mas no caso dos ataques do PS é vergonhosa a forma como monta uma campanha negra, deturpando as propostas do PSD, truncando as minhas afirmações e procurando incutir o medo e a confusão. O seu nível é muito baixo», escreveu.
Em resposta, o PSD fez circular um outro vídeo que mostra as declarações de Rio na íntegra, denunciando a «manipulação da verdade» pelo PS que tenta «retirar de contexto a verdade».
Nas imagens, Rio defende o aumento do SMN, mas admite condicioná-lo ao crescimento da economia e da produtividade. Posição que reforçou em Leiria, esta quarta-feira. «Não deve haver nenhum português que ache que o salário mínimo nacional é um salário confortável. Todos nós percebemos que não. Agora, a diferença é entre fazer uma proposta séria, ter uma economia robusta, capaz de pagar salários cada vez mais altos. Outra é fazer demagogia como [António Costa] faz, a dizer que nós somos contra, porque eu, em ano de pandemia, entendi que não era o ano mais adequado para andar a subir de uma forma muito elevada o salário nacional», esclareceu, insistindo novamente na tese de que Costa «deturpa tudo».
Mas não se ficou por aí, comparando a postura «difamatória» dos socialistas à da Frente Republicana e Socialista (FRS). «Lembro-me das eleições de 1980 em que o PS, que liderava uma coligação que era a FRS, seguiu justamente esse caminho: difamação atrás de difamação atrás de difamação, na altura da AD [Aliança Democrática] liderada pelo doutor Sá Carneiro. Bom, levaram uma banhada», recordou.
O não definitivo ao Chega
Em Leiria, foi novamente desafiado a esclarecer a sua posição sobre eventuais acordos com o Chega, e Rio voltou a insistir que «já disse mil vezes» que não fará qualquer acordo com o partido de André Ventura. E contra-atacou: «O PS não é inimigo do Chega: quantos mais votos houver no Chega mais facilmente António Costa continua como primeiro-ministro, ele é um dos mais interessados em que o Chega tenha uma grande votação».
Já na manhã de quinta-feira, o candidato social-democrata deu o golpe final e desfez a única dúvida que vinha a arrastar-se desde o início da corrida eleitoral: não vai negociar qualquer Orçamento com o Chega.
«[André Ventura] não se moderou e chegou ao ponto de dizer que só chega a acordo se houver deputados do Chega como ministros e isso está liminarmente rejeitado pelo PSD», argumentou, acrescentando que conversas só no «debate parlamentar no plenário à vista de todos», excluindo quaisquer hipóteses de diálogo de bastidores «nos gabinetes do PSD ou do Chega».
Sobre a questão da governabilidade, não deitou por terra a possibilidade de vir a existir um Governo de iniciativa presidencial caso os partidos não se consigam entender no Parlamento, apesar de reconhecer que nem o ex-chefe de Estado Cavaco Silva, nem o atual inquilino do Palácio de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa, simpatizam com tal ideia.