A tocha olímpica começou o seu percurso esta quarta-feira, atravessando Pequim e a cidade vizinha de Zhangjiakou, antes do arranque de uns Jogos Olímpicos de Inverno aguardados com ansiedade. Não só devido a receios de que a China acabe por enfrentar uma vaga de Omicron, ou devido ao boicote diplomático encabeçado pelos Estados Unidos, mas pela presença do Presidente russo, Vladimir Putin.
Analistas têm apontado que o encontro com o seu homólogo chinês, Xi Jinping, previsto para sexta-feira, poderá ser crucial para decidir se o Kremlin avança ou não com uma invasão da Ucrânia. Afinal, sendo quase certo que os EUA e os seus aliados retaliariam com as suas prometidas sanções económicas, Putin teria de contar com apoio chinês para as enfrentar.
Aliás, foi exatamente isso que aconteceu quando a Rússia anexou a Crimeia, em 2014. As sanções foram contornadas assinando nesse ano acordo comercial com a China, que contemplava a venda do equivalente a 350 mil milhões de euros em gás natural russo – a preços muito favoráveis às empresas chinesas, claro, aproveitando o facto de a Rússia estar num aperto. Agora seria ainda mais fácil, após um novo gasoduto entre estes países, apelidado Força da Sibéria, ter começado a funcionar em 2019, prevendo-se que a construção de um segundo gasoduto esteja muito para breve.
Um acordo do género tornaria ineficazes as planeadas sanções americanas ao gás natural russo, que tem países europeus como um dos seus grandes compradores. Algo que até já levou a Casa Branca a prometer desviar outros combustível de outros pontos do globo, como o Qatar, para garantir que a Europa não via um agravamento sério da sua crise energética durante este inverno e primavera.
“Se houver uma guerra devido à Ucrânia, e os chineses e russos abertamente se alinharem, subitamente o mundo em que vivemos parece muito, muito diferente”, frisou o luso-descedente Evan Medeiros, antigo membro do Conselho de Segurança Nacional de Barack Obama, durante a anexação da Crimeia, ao New York Times. “A China passaria a ser a frente oriental do que seria uma competição global a longo prazo”.
No que toca à imprensa estatal chinesa, ou aos responsáveis pela chamada “diplomacia do lobo guerreiro” de Pequim, estão a adorar assistir às tensões na Ucrânia. Descrevem a reação de Putin à expansão da NATO nas antigas repúblicas soviéticas como semelhante ao que acontece no Mar da China, que veem como a sua própria zona de influência, apontando a Ucrânia quase como uma espécie de Taiwan russa.
“Os Estados Unidos procuram o caos”, lia-se no jornal chinês Global Times. “Estão a apertar estrategicamente a China e a Rússia ao mesmo tempo. É arrogante. Está a empurrar a China e a Rússia a retaliar juntas”.
Para Putin, seria tão importante ter Xi ao seu lado que uma invasão da Ucrânia durante os Jogos Olímpicos de Pequim, ou seja entre 4 e 20 de fevereiro, é dada como muito improvável. O Kremlin não quereria estragar um evento em que o regime chinês apostou tanto, e que pretendia usar como uma montra global do sucesso do seu país.
“Provavelmente o Presidente Xi Jinping não ficaria extático se Putin escolhesse esse momento para invadir a Ucrânia”, explicou Wendy Sherman, vice-secretária de Estado dos EUA, citada pela Reuters, a semana passada. “Portanto isso pode afetar o seu timing e o seu pensamento”, continuou Sherman. E há precedentes para tal – já quando anexou a Crimeia, o Kremlin esperou pelos últimos dias Jogos de Inverno de 2014, em Sochi, para não estragar a festa.