Foi alegre a campanha? Nem por isso. Disse o Governo:
Fomos tão bons, tivemos tanto trabalho, lutámos contra tudo o que havia e o que não havia.
Caiu-nos em cima uma pandemia inteira e fomos tateando o caminho e inventando soluções.
Não podendo ser sozinhos, buscámos ajuda.
E aí vieram as múltiplas visões da esquerda fazer-nos companhia.
Foi uma frente, há quem diga popular, triunfante durante um governo.
Celebrámos conquistas, abrimos os cordões à bolsa, aceitámos exigências.
No escurinho do cinema, trocámos as voltas. O gasto prometido encolheu, e as cativações foram a arma secreta. Secreta porque se realizava na sombra, secreta porque as esquerdas outras evitavam denunciá-las para não perder a face.
Foi uma estratégia win-win.
O inimaginável aconteceu, o défice zero, perseguido pela direita, exigido pelos próceres europeus, foi conseguido.
Dir-se-ia que a tendência indomável para a despesa e o seu aumento foi vencida.
Extraordinário!
Um governo de esquerda, apoiado a várias vozes, realizou o objetivo dos seus adversários históricos.
Não duraram muito, nem tal feito, nem as condições necessárias.
As demais esquerdas foram aprovando mais um e outro orçamento mas ficava cada vez mais difícil. As grandes exigências soçobravam sempre.
Aquele fervor revolucionário próprio de um Trotsky ou mesmo de um Lenine amarelecia.
Até que o momento x se deu.
O primeiro dos ministros fartou-se.
Elaborou um orçamento exemplar, tão bom e tão doce que era a quinta essência da negociação.
Sentiram-se provocados os seus apoiantes.
Do seu ponto de vista, não era nada. Fugia às grandes questões, correspondia a uma cedência sem nome.
E daí o fim do conúbio.
Foi a sorte grande para o partido do Governo.
O negociador incansável, a tolerância em pessoa, o sofrimento arrastado pelo calvário de uma situação limite de pandemia e incerteza, fez da campanha denúncia.
Do outro lado, a crise da direita e do centro ofereciam um cenário ideal.
O Chega endurecia as suas posições, denunciava, desafiava o populismo do Bloco de Esquerda, sucedia-lhe no despautério e na violência argumentativa.
Os liberais faziam a festa e encolhiam o PSD e desfaziam o CDS.
Este, perdia-se.
Restava o PSD.
No passado próximo vieram ao de cima as discordâncias estratégicas que o atravessavam e os jogos de poder em que se entretinham os discordantes.
De facto, todo o tempo do mundo passou entre a oposição vigorosa que se não fazia, o esclarecimento das posições diferenciadas e a afirmação do escuteiro bem comportado que se inibia de protestar e silenciava o desacordo.
Sem se dar conta, quase não existia e era feliz.
Num ponto ou outro renasceu nas autarquias, foi outro.
Da sua oposição era muito flagrante o som do silêncio.
Até que resolve dizer ao que vinha. Tarde, muito tarde. Percebeu-se que tinha ideias e provavelmente boas mas não conseguiu por falta de tempo e de capacidade de as fazer entender de forma clara superar a desconfiança gerada.
Foi um gesto nobre, mas patético.
Foi o último suspiro do mouro Boabdil quando deixou Granada.
A campanha, essa triste campanha, deixa um rasto de vítimas pelo caminho.
Sereno, absoluto, o vencedor distribuiu derrotados entre os seus opositores e os seus delfins.
Foi uma campanha triste.
É a vitória da derrota.