É pelo povo que se faz a luta. É pela sopa quente a tocar nos lábios roxos que se faz a luta. É pela sardinha que se faz a luta. É pelo filho ir estudar para a cidade que se faz a luta. É pela ginjinha ao fim da tarde que se faz a luta. É pela velhota que trabalha até aos 70 a olhar para o chão que se faz a luta. É pelo miúdo ranhoso que não sabe que é feio ter ranho que se faz a luta. É pela mãe cabo-verdiana que limpa escadas no prédio e é assediada que se faz a luta. É pelos que morreram sem dinheiro para a operação que se faz a luta. É pelos velhos abandonados à velhice que se faz a luta. É pelos que não têm mãe que se faz a luta. É pelos que ainda têm frio que se faz a luta. É pelos que não têm pão que se faz a luta. É pelos pobres que se faz a luta.
O que é isso, ‘grandes bancos’? Sítios onde burgueses-slimfit-Famalicão se acham importantes. Quem são vocês, tão parolamente ambiciosos que para ‘subir na vida’ não se importam de lixar outros? Quem são vocês, a pegar nos telefones tal qual vampiros para sugar os últimos cifrões das contas dos velhotes? Só não lhes arrancam os dentes porque estão podres, não é? Afinal, tudo vale para levar a ‘esposa Anabela’ ao shopping no domingo à tarde. Afinal, tudo vale para sujar as mãos com camarões cujas antenas são iguais às vossas.
O que é isso, escritórios de advogados? Sítios onde o futuro do país é mais decidido do que a urna em que a vossa empregada vota. Ah… como é parolamente bom sentirmo-nos poderosos. Nem um nó de gravata sabemos fazer, aprendemos anteontem que se desaperta o segundo botão do blazer, mas somos poderosíssimos aqui a ratificar este papel. É que ratificamos bem, pá! Ratifica para aqui, liga ao Alvarinho para almoçar para acolá. E ratifica, e lê códigos. Assim o dia todo, não tendo problemas em calcar o povo desde que se agrade aos ‘clientes’ – «afinal, são eles que me pagam o salário, não é? Ehehe»: um nojo. De férias, lá se deitam ao sol a ler umas paginazinhas do Harari para se sentirem menos desinteressantes. Continuam a sê-lo: um nojo e desinteressantes – agora a derreter ao sol.
Mas um nojo em ascensão. E um nojo a fervilhar. Eu quero lá saber se foste ao melhor italiano de Lisboa. Eu quero lá saber se todas as quintas-feiras estás espetado no Corner. Eu quero lá saber que o teu relógio tenha ficado preso na alfandega.
Eu quero é saber do povo. O povo tem fome? O povo tem conseguido pôr os miúdos na escola? Quero que o povo não tenha fome. Quero que os miúdos vão para a escola. Quero que o pobre não deixe de estudar porque tem de ajudar o pai a cavar batatas. O foie gras no JNcQUOI ainda sabe assim tão bem? Já viste se soubesse à terra que o pobre tem na boca de andar a cavar batatas para ti? Que nojo de burguesice é a tua em que deixaste de pensar no pobre? Que nojo de burguesice é a tua em que te babas pelo advogadinho da Morais Leitão mas não amas quem te faz o pão? Que nojo de burguesice é a tua em que o dinheiro te atrai mais do que o humano? Como é ter um esgoto em vez de alma?
Para que a sopa continue quente. Para que o pão continue a existir. Para que haja azeite à mesa. Para que sobre para a carne. Para que haja aquecimento. Para que haja vinho. Para que haja cultura. Para que a mocidade se divirta. Para que a vida seja alegria. Para que o povo se liberte da pobreza. Para pôr um fim no abuso dos burguesinhos de serviço: faz-se a luta.
Sempre pelo povo: é pelo povo, sempre, que se faz a luta.