Por Pedro Ramos
Nova Iorque, fevereiro de 2021
Queridas Filhas,
Quando se elege um novo governo, especialmente de um partido diferente, costuma haver muita esperança e entusiasmo para o futuro. Espera-se uma mudança de curso, novas oportunidades e um caminho melhor. Os historiadores falam em mudanças de regime.
Mas nem todas as mudanças de regime, são motivadas por alternâncias democráticas, revoluções ou golpes de Estado. Muitas mudanças de regime ocorreram por fatores externos ao poder executivo: guerras, pandemias, choques financeiros ou mesmo inovação e progresso tecnológico.
Eu acredito que estamos no princípio de uma mudança de regime que poderá durar décadas. Uma que vai levar a uma mudança profunda nas possibilidades de investimento privado e público. Muitos de nós, não temos memória da última vez que o mundo ocidental assim funcionou.
Vale a pena refletir sobre isso para estarmos preparados, gerir riscos e exposições e aproveitar as oportunidades que se abrirão. A melhor forma de perceber esta transição é através evolução histórica das taxas de juro a 10 anos do dólar pagos pelo tesouro americano (Fig. 1).
Como se pode ver, desde o início dos anos 80 as taxas de juro têm decrescido desde um máximo de 16% até perto de 0% durante a pandemia. Antes disso, as taxas de juro tinham crescido durante 20 anos, desde o início dos anos 60, com a Administração Kennedy (pouco menos de 4%) até aos primeiros anos da Administração Reagan.
Por que é isto importante? Eu nasci em meados dos anos 70. Lembro-me bem de no início dos anos 80 se falar sempre de inflação e de taxas de juro. A passagem de ano sempre trazia aumento de preços. No telejornal noticiava-se frequentemente aumentos de preços do leite e do pão. O parque automóvel era velho pois ninguém tinha acesso a crédito automóvel. As casas também. Pequenas, arrendadas e, em geral, as ruas em mau estado. Muito poucos tinham acesso a hipotecas. Os meus avós ensinavam-me a poupar e pôr em depósitos a prazo pois rendiam bem mais de 10%. Muitos faziam poupança também em ouro.
A partir de meados dos anos 80 as taxas começaram a descer e o crédito a aumentar. De repente, começaram-se a ver bons carros na rua. Leasing diziam-me permitiam pagar os carros em várias prestações. Os meus amigos começaram a mudar para casas maiores e os pais diziam que as casas eram deles. O que pagavam aos bancos era semelhante ao que pagavam de renda. E evitavam discussões com senhorios…
Este fenómeno foi-se acelerando até ao ano 2002 quando vim para os USA. Aos meus amigos de cá, dizia para olharem para Portugal, o ‘bom aluno’ da Europa que se tinha transformado. E estava convencido que a Europa de Leste seguiria um processo semelhante a seu tempo.
As estatísticas mostram que Portugal tem estagnado neste milénio. Tivemos crises, a troika obrigou a reformas estruturais, mas continua a descida das taxas de juro até agora (Fig. 1) assim como o relaxamento de disciplina fiscal da Europa, acrescido de compra de obrigações portuguesas pelo Banco Central Europeu, e futuras transferências fiscais a fundo perdido da UE (‘bazuca’) têm ajudado o país a pontapear os problemas para anos futuros enquanto a dívida pública vai aumentando.
Mas a corda está a chegar ao fim. A inflação está a começar a disparar pela primeira vez em décadas (Fig. 2), o que vai forçar a mão dos banqueiros centrais a pararem a compra de divida pública e a subir as taxas de juro. Este cenário, já não o vivemos desde finais dos anos 70. Estamos preparados?
(Figura 1 em cima e 2 em baixo)