Castelo de Bode em alerta crítico continua a turbinar

Apesar do anúncio de suspensão da produção de eletricidade em Castelo de Bode, reservada para abastecimento de Lisboa numa situação de seca persistente, o Nascer do SOL confirmou ontem que continua a turbinagem de água. EPAL fez alerta esta semana. EDP diz que está a cumprir ‘caudal ecológico’.  

Apesar dos níveis baixos e do anúncio feito pelo ministro do Ambiente João Pedro Matos Fernandes no início do mês, a turbinagem de água em Castelo de Bode não parou. A preocupação com o nível da barragem, que abastece o consumo de água em Lisboa, foi notificada esta semana pela EPAL à Agência Portuguesa do Ambiente (APA), apurou o Nascer do SOL.

Com elementos concretos: a APA recebeu a notificação de que que entre esta segunda e quarta-feira, a albufeira perdeu 0,15m, o que corresponde a cerca de 3,6 milhões de m3, o que equivale não a três mas a 10 dias de consumo da EPAL. A pergunta implícita é para onde é que está a ir a água, mas não terá havido resposta.

Ontem, no local, o Nascer do SOL confirmou que uma turbina estava a funcionar, sem ter havido até aqui qualquer referência pública a isso. A EDP, concessionária da barragem, questionada pelo Nascer do SOL, diz que se trata de cumprir com o ‘caudal ecológico’ determinado pela Agência Portuguesa do Ambiente (garante caudal no rio), mas que não está a ser usado para produzir eletricidade.  

Poucas explicações

Questionado pelo Nascer do SOL sobre o alerta da Águas de Portugal/EPAL esta semana e sobre se a suspensão de energia hídrica tem estado a ser respeitada, o Ministério do Ambiente não respondeu diretamente às perguntas. «A situação é avaliada pela APA ao longo do ano em consulta com o concessionário da componente energia e a EPAL, sendo aplicadas medidas consideradas tecnicamente necessárias, tendo em conta os diversos usos e conferindo sempre prioridade ao abastecimento humano», indicou o gabinete do ministro. «Foi isso mesmo que a comissão interministerial para a gestão da seca decidiu recentemente, sob proposta da APA».

A REN não respondeu, nem a Agência Portuguesa do Ambiente, que o Nascer do SOL questionou também sobre o alerta da Águas de Portugal/EPAL, feito pela primeira vez em janeiro e reiterado esta semana perante a descida da albufeira acima do expectável e, já depois, sobre estar a haver turbinagem na albufeira, segundo a EDP para garantir o caudal ecológico determinado pela agência.

Fontes ouvidas pelo Nascer do SOL admitem que estando a albufeira abaixo dos 65%, a cota de segurança, e havendo uma situação de seca, seria expectável uma avaliação estratégica da programação das reservas de água para os próximos meses bem como avaliação da necessidade do caudal ecológico, que nas atuais circunstâncias, implica o vazamento de água da albufeira. E, estando a ser feito, o facto de não ser usado para produzir energia levanta também dúvidas no setor. 

Questionada sobre que impacto tem o caudal ecológico nas reservas de água para consumo humano e se tal explica a descida do nível da barragem notificada esta semana pela Águas de Portugal/EPAL, bem como se foi feito algum estudo sobre a segurança do armazenamento da água, a APA remeteu para os esclarecimentos enviados pelo Ministério do Ambiente a este jornal.

«Temos perfeita consciência quer da complexidade da concertação entre diferentes usos, quer da sua importância por questões socioeconómicas e ambientais. A produção de energia, por exemplo, é um uso importante para garantir a segurança do abastecimento elétrico e a produção de energia renovável e limpa. No caso vertente, reitera-se que não está, de todo, em causa o volume de água necessário para o abastecimento público, atendendo que este está reservado para cerca de dois anos», garantiu ao SOL o gabinete do ministro Matos Fernandes. 

Já a Águas de Portugal, questionada sobre o alerta feito esta semana e  interpelada a partilhar que avaliação faz do armazanemanento de água para abastecimento, remeteu para a APA.

As críticas do antigo diretor

Durante a semana, o i já tinha questionado o Ministério do Ambiente e o Ministério da Agricultura para alertas feitos no setor desde janeiro para o nível das barragens e aposta na produção hídrica em dezembro e janeiro já num nível de stresse. As decisões foram tomadas quando a APA indicou essa necessidade, disse o Ministério, não tendo a APA esclarecido quando é que a necessidade foi sinalizada ao Governo.

As preocupações que se foram tecendo nos bastidores ganharam a forma de dura crítica num artigo publicado esta semana pelo antigo director-geral de Energia e Geologia Mário Guedes, no Observador, em que associou o nível a que chegaram as barragens não apenas à falta de chuva mas a ter-se apostado mais na produção hídrica para compensar o fecho das centrais a carvão, Sines e Pego, criticando a ironia de se estar a importar eletricidade de Espanha que reativou em novembro centrais a carvão menos eficientes do que eram as portuguesas e uma «completa ausência de percepção estratégica».

«Uns milhões a voar pela janela», intitulou o ex-responsável da DGEG, que esteve no cargo pouco mais de um ano (até novembro de 2018), tendo sido exonerado quando João Galamba substituiu Jorge Seguro Sanches na Secretaria de Estado da Energia – que passou então do Ministério da Economia para o Ministério do Ambiente para dar uma nova centralidade à política de transição energética no âmbito do combate às alterações climáticas, justificou na altura o primeiro-ministro. 

Num comunicado após este artigo de opinião, o Ministério do Ambiente sublinhou não ter correspondência à realidade a ideia de que Portugal importa eletricidade de Espanha porque encerrou as centrais a carvão e que produzir a carvão em Portugal não implicaria, necessariamente, poupanças para os consumidores de eletricidade. «O único modo sustentável de diminuir quer as importações, quer os custos de eletricidade, é pela via da aceleração na entrada em funcionamento de toda a potência renovável possível e não através da manutenção de centrais termoelétricas a carvão», salientou o Governo. 

Matos Fernandes viria a reforçar que, de outubro até janeiro, a produção de eletricidade a partir de fonte hídrica reduziu bastante em comparação com o ano passado, «invocando que o ano em que Portugal mais importou eletricidade foi o ano 2012, as duas centrais a carvão estavam a funcionar em pleno».

Os dados da REN, que o Nascer do SOL analisou, mostram que em 2012 o saldo importador correspondeu a 16% da eletricidade consumida no país. O carvão teve um peso de 25% no consumo, pelo que sem essa alternativa, na altura, o peso do saldo importador teria sido maior, o que acontece agora também neste mês de fevereiro. O Ministério do Ambiente não esclareceu se, em algum cenário, se admite a reativação de produção a carvão, mesmo que temporária.

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